“É preciso traçar linhas vermelhas” ou “há que fazer um cordão sanitário” foram as frases mais ouvidas nos últimos tempos na política nacional.

Concordando com os princípios, sempre disse e escrevi que essas “linhas vermelhas” e “esse cordão sanitário” não deviam ser só usados quando se falava do Chega. Há outras duas forças políticas em Portugal que vestem pele de cordeiro, mas são lobos tão perigosos como o Chega: Bloco de Esquerda e Partido Comunista. Sempre que o afirmei deparei-me com olhares de surpresa e até censórios. Diziam-me que estava a comparar o que não era comparável. Infelizmente a história que se repetiu nos últimos dias veio provar que os que queriam normalizar o que não é normalizável enganaram-se redondamente.

Ainda há pouco tempo Francisco Louçã quis ridicularizar uma deputada municipal, Aline de Beuvinck (Luso-Ucraniana), por se ter atrevido a relembrar uma velha e trágica história que deu origem à expressão de que os comunistas comem criancinhas ao pequeno-almoço. Aline de Beuvinck recordava o genocídio do seu povo pela fome, perpetrado pela então União Soviética de Estaline entre 1932 e 1933. O normalizado fundador do Bloco de Esquerda gozava, no seu espaço de opinião de um canal de televisão, com a evocação feita pela deputada municipal. Era tudo ilusão. A deputada estava a evocar fantasmas inexistentes.

23 de Fevereiro de 2022, eis que os fantasmas acordaram, invadiram a Ucrânia e estão a dizimar um povo que só queria viver de acordo com as regras da democracia ocidental. Perante os factos, o que fazem PCP e BE? Culpam as democracias ocidentais por não terem compreensão pelas dores do ditador Putin. E agora? O que dizem todos aqueles que acharam que o PCP e o BE eram bem-vindos ao sistema democrático? Os que faziam juras de que nem um nem outro partido representavam uma ameaça à democracia? Os que se desfaziam com a simpatia de Jerónimo e com o aggiornamento de Louçã e Catarina? Os mesmos que, diante da dura realidade, escolhem o lado errado da História e culpam a Europa e os Estados Unidos por não darem o devido desconto ao imperialista russo. Onde está agora a normalização da extrema-esquerda? Será que ser contra a NATO e as regras da União Europeia continuam a ser questões laterais?

As pessoas são o que são. Os princípios são o que são. E os ditadores, ou os que defendem tais ideias, jamais serão democratas. É tudo uma questão de poder e, em democracia, quem decide quem tem poder é o povo. Por isso nunca podemos dar por adquirido que o povo escolhe de acordo com o que pensamos. É por isso que não se podem normalizar forças políticas que, se pudessem, transformavam esta democracia numa ditadura comunista, como o PCP tentou até ao 25 de novembro, ou como muitos dos dirigentes do Bloco de Esquerda tentaram nos anos oitenta através das FP-25.

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Ver Catarina Martins tratar com arrogância André Ventura, tratando-o como o candidato da extrema-direita, dá-me vontade de rir e ao mesmo tempo de chorar, porque quem a ouve e não se inquieta acha que ela defende ideias melhores do que as que defende André Ventura. Puro engano. Os extremos à direita e à esquerda estão vivos e a fazer estragos no mundo, como podemos agora constatar com uma guerra no coração da Europa. Na hora da verdade, os extremos tocam-se. O bem-estar e a felicidade dos povos são a última das suas preocupações. O que verdadeiramente lhes interessa é o poder e o domínio dos povos. Nada de novo no horizonte, as ditaduras sempre assim foram e sempre assim serão.

O que me preocupa é dar-me conta de que mais uma vez caímos na canção do bandido. Trouxemos a extrema-esquerda para o arco da governação. Achámos que as ideologias marxistas tinham deixado de ser um perigo. Aceitámos conviver com o senhor Putin como um de nós. Tornámo-nos dependentes dele. E agora estamos impotentes diante de um ditador poderoso, contra o qual pouco ou nada podemos. A não ser que, como sempre acontece, os Estados Unidos se assustem e venham em nosso auxílio.

Os nossos filhos não mereciam e um dia vão perguntar-nos como foi possível que isto tenha acontecido.