Com a guerra na Ucrânia, iniciada no dia 24 de Fevereiro de 2022, deu-se início à maior crise humanitária de refugiados desde a 2ª Guerra Mundial, estimando-se que haja mais de cinco milhões de refugiados. Esse tema, no âmbito do direito brasileiro, encontra guarida na Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados e na Lei n°. 9474/97, diplomas nos quais pode-se inferir o conceito do que é ser refugiado.

Vale destacar que o Brasil aderiu à Convenção relativa ao Estatuto dos Refugiados, ratificando-a, tendo sido promulgado o Decreto n°. 50.215 de 28 de Janeiro de 1961, o qual foi publicado no Diário Oficial da União no dia 30 de Janeiro de 1961, tornando-se público o tratado à população brasileira.

Nos termos do tratado, a definição de refúgio encontra três elementos: 1°) Perseguição entendida como qualquer ameaça à vida ou à liberdade; 2º) Fundado temor, que é o receio subjetiva e objetivamente aferido e 3°) Extraterritorialidade, que é a situação daquele que se encontra fora do seu país de origem ou de residência. Preenchidos esses requisitos, é um dever do Estado, mediante ato declaratório e vinculado, reconhecer a condição de refugiado do postulante de refúgio.

Ocorre que no direito brasileiro, há um quarto requisito, além dos três supramencionados, que é o ingresso no país devido à grave e generalizada violação de direitos humanos, que faz com que o indivíduo seja obrigado a deixar seu país de nacionalidade para buscar refúgio em outro país.

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Esse quarto requisito encontra-se contemplado na Lei n°.9474/97, a qual define mecanismos para a implementação do Estatuto dos Refugiados de 1951, e determina outras providências.

É importante mencionar ainda, sob esse prisma de análise, o que seria o Princípio do Non-Refoulement. Esse princípio comina que é proibido aos Estados devolverem um refugiado ou solicitante de refúgio para os territórios em que sua vida ou liberdade, assim como também seus demais direitos fundamentais, estejam em perigo em virtude de violação por questões de raça, religião, nacionalidade, pertencimento a determinado grupo social ou opinião política.

No Brasil, esse princípio não é absoluto, motivo pelo qual não será reconhecido o direito público subjetivo ao refúgio, ainda que o postulante preencha todos os requisitos, na hipótese de haver razões sérias para considerá-lo perigoso para a segurança do país onde se encontra, ou que, tendo sido objeto de uma condenação definitiva por um crime ou delito particularmente grave, constitua ameaça para a comunidade de dito país.

Por outro lado, quando fazemos uma análise de direito comparado com o direito europeu, verificamos que, com fulcro na Convenção de Genebra de 1951, a União Europeia segue os mesmos parâmetros internacionais para análise de pedidos de asilo e proteção de refugiados.

A Convenção de Genebra preceitua que toda pessoa que tiver fugido de seu país de origem por força de perseguição política, guerra ou ofensa grave deve receber proteção especial da comunidade internacional.

Por conta disso, no ano de 1999, a União Europeia criou o Sistema Comum Europeu de Asilo cujo escopo é estabelecer como o bloco deve agir em relação aos refugiados, bem como em relação aos postulantes de asilo em seu território.

O procedimento a ser seguido pelo postulante de refúgio é idêntico em todo o território correspondente à União Europeia e, segundo o Regulamento de Dublin, cada Estado-membro da União Europeia tem o prazo máximo de 11 meses, ou de 9 meses quando se trata de repatriamento.

O imigrante, ao solicitar refúgio, deve receber condições de ordem material para fins de acolhimento, o que engloba moradia e alimentação e, no mais, no ato, já tem suas digitais colhidas. Após esse procedimento de colheita das digitais, o postulante de refúgio é encaminhado para uma entrevista com um assistente da União Europeia para fins de averiguação se o indivíduo enquadra-se ou não no estatuto do refugiado.

Se obtiver uma resposta em sentido positivo, o imigrante passa a ter direitos como educação, residência, acesso ao mercado de trabalho e ao sistema de saúde do país que o acolhe. Todavia, caso a resposta seja negativa, ele ainda pode recorrer ao Tribunal Europeu de Direitos Humanos.

A crítica que se faz ao conceito de refúgio, tanto no âmbito do direito brasileiro, como também no caso da União Europeia, analisando-se a legislação interna de respectivos países juntamente com os Tratados ratificados pelos países é no sentido de que, no atual momento, referidos requisitos, rígidos por sinal, podem comprometer a conservação dos direitos humanos das pessoas que já deixaram a Ucrânia após a invasão russa, que, nesse dia 03 de Junho, completou 100 dias.

É imperiosa a flexibilização desses requisitos para caracterizar uma pessoa como refugiada, a fim de garantir a própria dignidade da pessoa humana daquelas pessoas que já largaram seus lares diante do iminente risco de vida a que estavam submetidas.

Esse conceito extensivo de refugiado, flexibilizando-se os conceitos já existentes no Brasil e na União Europeia, é medida que se impõe de forma urgente a fim de salvaguardar os direitos fundamentais de inúmeros civis que fugiram da guerra, deixando para trás sonhos e, na maioria das vezes, uma vida inteira construída com dignidade e muito trabalho.

Por conseguinte, diante desse cenário e da crítica tecida nesse artigo, cumpre salientar que a União Europeia, no atual contexto da guerra, ofereceu proteção temporária a refugiados da Ucrânia, estabelecendo que referidos imigrantes terão direito à residência, acesso ao mercado de trabalho, assistência médica e educação infantil pelo período inicial de um ano, o que já é um sinal positivo, mas precisamos de mais, como a flexibilização dos requisitos para ser considerado um refugiado, para garantir o mínimo de dignidade a essas famílias.