Não sei até que ponto Greta Thunberg se importa com as polémicas que provoca, nem faço ideia se dá ouvidos às críticas negativas e campanhas destrutivas de que é alvo. Humanamente, diria que ninguém é imune a ataques vindos de tantas frentes, mas já com 17 anos e depois de tudo aquilo que tem gerado e experimentado, diria que começa a saber proteger-se da imensa legião de haters que militantemente a detestam.

Por mim, não a glorifico nem diabolizo, apenas reconheço o impacto e o mérito. Escrevi sobre ela, quando ainda não era possível ver até onde iria chegar toda a sua influência e volto a escrever agora, no day after, por ter sido distinguida com o Prémio Gulbenkian para a Humanidade, na sua primeira edição. Dada a vocação de um prémio que reconhece e recompensa o contributo de alguém, ou de alguma organização, para resolver a crise climática, e tendo em conta a urgência do tema, considero que o Grande Júri e o Comité de Cientistas reunido pela FCG fizeram uma boa escolha.

Tenho a certeza de que a opção de dar um milhão de euros à miúda autista e estranha que começou sozinha o seu ativismo ambiental em 2018, quando decidiu faltar às aulas todas as sextas-feiras para ir para a frente do parlamento sueco chamar as atenções dos media e dos políticos, exigindo medidas concretas para combater as alterações climáticas, vai levantar nova onda de críticas e suspeitas. Digam o que disserem, o prémio está atribuído e foi aceite com gratidão e honra. Greta merece-o, ponto.

Também eu não concordo com tudo o que Greta tem dito e feito, nem aprecio particularmente o seu estilo dramático-acusatório, porventura excessivo. Acompanhei o seu percurso desde o início, fazendo um esforço consciente para manter a distância crítica de forma a evitar cair em criticismos e julgamentos apressados. Aprendi há muitos anos que não precisamos de gostar dos outros para os podermos valorizar e mantive-me fiel ao ensinamento. Nesta lógica, basta-me o impacto que Greta Thunberg tem nas novas gerações, a sua capacidade de mobilização pela causa, a maneira como desperta a consciência de todos, novos e velhos, bem como o que faz acontecer, para também eu lhe estar grata. Muito grata, mesmo.

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Fez-me sentido ouvir o cientista Miguel Bastos Araújo dizer que há “um antes e um depois de Greta”. Biogeógrafo, professor catedrático e investigador especialista no estudo das alterações climáticas na biodiversidade, Miguel Bastos de Araújo presidiu a um dos júris que decidiu a vencedora. No momento do anúncio público, declarou que Greta Thunberg foi escolhida por cumprir três critérios: mérito, impacto e inovação.

“Nunca na história da humanidade alguém com apenas 16 anos conseguiu mobilizar tantas pessoas fazendo um uso inovador das redes sociais.”

Gostemos muito, pouco ou nada de Greta, somos obrigados a aprender também com ela a lição de que cada um conta. O contributo individual para o coletivo passou a ter mais um ícone à escala planetária. Greta provou que apenas uma pessoa é capaz de gerar uma mudança sistémica. Ao mobilizar milhões de jovens e crianças que nunca tinham militado em causas ambientais, Greta deu a conhecer a força revitalizadora das novas, novíssimas gerações. Mostrou ao mundo o poder dos movimentos cívicos juvenis, que não estavam ativos há décadas e nunca se tinham manifestado por esta causa (esta casa!) comum.

Last but not the least, Greta nunca deixou de agir, falar, escrever, gritar e apontar o dedo por não gostarem dela, por ter tido uma depressão quando era adolescente, ou por lhe ter sido diagnosticado síndrome de Asperger. Muito pelo contrário, chorou em público, não mascarou a sua raiva quando se sentiu frustrada, incompreendida ou injustiçada, e também não escondeu as suas fraquezas, contribuindo para fortalecer outras causas, nomeadamente as dos que se sentem discriminados e estigmatizados por sofrerem de certas doenças.

Greta não recebe este prémio por ser uma ativista pelos direitos das pessoas com síndrome de Asperger, mas ao recebê-lo está também a validar as capacidades, os talentos e as competências de todos os que se sentem diferentes ou inadaptados. Mesmo sem querer, está a dizer ao mundo que é essencial ter convicções e lutar por elas. Se a causa for boa e para o bem comum, nenhuma luta será inglória. No caminho haverá sempre gente pronta a dizer mais mal do que bem, mas não importa porque há uma derradeira lição a tirar da ação de Greta: ai daqueles de quem todos gostam. Esses sim, terão que passar a vida a fazer malabarismos e contorcionismos para conseguir agradar a gregos e troianos. E poderão, até, ter que vender a alma ao diabo para serem gostados.