A história repete-se no Reino Unido. Theresa May é o segundo primeiro-ministro em menos de um ano a perder uma aposta eleitoral segura. Em 2016, foi David Cameron com o referendo sobre a União Europeia. A noite passada, foi Theresa May com o que, na prática, era um referendo à sua pessoa. Durante meses, May prometera que não ia haver eleições antecipadas. Mas May era uma figura secundária no partido conservador, estivera contra o Brexit, e herdara a chefia do governo apenas porque as grandes estrelas conservadoras (David Cameron, George Osborne, Boris Johnson, Michael Gove) se resolveram destruir umas às outras. May explicou que lhe convinha um mandato reforçado para negociar o Brexit com Bruxelas. De facto, precisava sobretudo de impor-se à direita anti-europeísta do partido. Já tinha sido esse o verdadeiro objectivo de Cameron com o referendo europeu.

Cameron confiou em que o risco do Brexit bastaria para a vitória; May apostou tudo no descrédito do líder da oposição, Jeremy Corbin. Corbyn apossara-se da chefia trabalhista com base na infiltração do partido por uma grande massa de activistas da extrema-esquerda, contra a vontade dos deputados e dos antigos militantes. A sua popularidade era baixa. Há apenas um mês, a 4 de Maio, May esmagou-o nas eleições autárquicas. A eleição de ontem parecia garantida para os conservadores. Mas Corbyn conduziu a mais cínica de todas as campanhas: pôs a máscara de um velho queriducho, à Bernie Sanders, simulando um à-vontade que May, sempre nervosa, nunca teve; aproveitou a ideia de que a eleição estava resolvida para se apresentar como a opção irreverente e engraçada; pouco disse sobre o Brexit; e tentou os jovens com a promessa de universidades à borla.

Tanto Corbyn como May renegaram a tradição política recente dos seus partidos. Mas enquanto Corbyn, ao repudiar o centrismo de Tony Blair, pareceu restaurar a pureza ideológica do trabalhismo, May, ao afastar-se do programa de Margaret Thatcher, passou simplesmente por oportunista. A ideia de May era situar o Partido Conservador no centro, tal como David Cameron já tentara. Perante um trabalhismo extremista, os britânicos teriam a opção de um conservadorismo mais ou menos social-democratizado, com uma líder sem brilho, mas também sem arestas. Era suposto Corbyn ser atropelado pelo seu próprio radicalismo. Afinal, foi May quem foi estraçalhada pela sua moderação, pela sua indefinição, pela sua disponibilidade para recuar. A europeísta que se propunha consumar a saída da UE, a conservadora que ia sujeitar a economia ao Estado – não convenceu.

Conservadores e Trabalhistas conseguiram recuperar muitos votos dispersos por outros partidos nas últimas eleições. O UKIP desapareceu, os Nacionalistas encolheram na Escócia. Mas nada disso bastou para May ou Corbyn obterem um resultado decisivo. O Reino Unido está perdido na incerteza política, a menos de dez dias do começo da negociação do Brexit. Ao contrário do que se possa pensar, um governo fraco em Londres — talvez ainda com Theresa May, amparada pelos Unionistas do Ulster — não favorecerá a UE, num contexto em que a lição que todos terão aprendido é que não se ganha nada em ser moderado. Os conservadores já estarão convencidos de que deveriam ter sido muito mais conservadores do que quis ser Theresa May; aos opositores sociais democratas de Corbyn faltam agora argumentos para contestar o seu radicalismo. As opiniões no Reino Unido vão extremar-se e endurecer. Talvez tudo acabe numa nova eleição, provavelmente com os conservadores liderados por alguém mais robusto, mais empático e mais anti-europeu. Boris Johnson versus Jeremy Corbyn?

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