O PSD nunca fez política ambiental de “balas de prata”: o plano das barragens, os investimentos nas renováveis e agora o hidrogénio não foram nunca tomados como desígnios insofismáveis pelo PSD, que alertou sempre para as externalidades negativas que a adopção cega e unifocal de políticas públicas encerra.

Pelo contrário, o PSD optou sempre pela sua linha reformista: foi percursor na Lei de Bases do Ambiente em 1987, depois na reforma dos sectores da água, saneamento e resíduos e, mais recentemente, na Reforma da Fiscalidade Verde, apenas para citar alguns exemplos.

Equilíbrio é a “marca de água” do projecto de Lei de Bases do Clima agora apresentado pelo PSD, um diploma enquadrador da legislação e de toda a política ambiental para as próximas décadas, que não proíbe nem veda comportamentos ou actividades como a comercialização de veículos movidos exclusivamente a combustíveis fósseis (depois de também, em aparente contradição, se ter restringido os benefícios fiscais aos veículos híbridos), nem respalda taxas de transporte aéreo, marítimo e fluvial (na senda da falhada taxa turística cobrada à ANA) sem aferir, previamente, o impacto económico para o país de medidas desta natureza.

Ao invés de medidas proibicionistas, raramente compreendidas pelas pessoas, a política ambiental deve assentar na responsabilização e na aceitação social e percepção clara dos objectivos propostos, numa perspectiva de justa repartição dos encargos, como o movimento dos “gilet jaunes” em França demonstrou.

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E o momento não poderia ser mais oportuno: Portugal é um dos países da UE que mais será afectado pelos efeitos das alterações climáticas, com erosão costeira, desertificação, seca e incêndios florestais e o seu papel não pode ser negligenciado no pressuposto do reduzido contributo para a redução de 55% de emissão de gases de efeito de estufa até 2030 e a neutralidade carbónica em 2050.

Numa perspectiva económica, podem-se destacar três pilares do Projecto de Lei de Bases do Clima apresentado pelo PSD:

I. Fiscalidade Verde

Surge pela necessidade de conferir o factor “preço” à sustentabilidade (“monetização” da sustentabilidade), como forma mais eficaz de induzir comportamentos nas pessoas e nas actividades das empresas através da oneração dos que são insustentáveis e na atribuição de benefícios aos sustentáveis. A fiscalidade verde é a “mão invisível” que intervém no mercado no caminho da neutralidade carbónica.

E há espaço para isso: de acordo com o Eurostat, os impostos com relevância ambiental em Portugal correspondem apenas a 7,4% do total de impostos cobrados; de acordo com a OCDE, o impacto total do aumento das taxas ambientais poderia significar um aumento anual de receitas fiscais de 2,6% do PIB; e de acordo com o INE, a estrutura dos impostos por ramo de actividade evidencia uma incongruência pelo facto das indústrias que menos contribuem para a receita fiscal serem as que, por um lado, mais capacidade teriam para pagar (actividades financeiras e seguros, com 0,5%) e as que, por outro, mais se espera que no futuro possam vir a contribuir para emitir gases de efeito de estufa (informação e comunicações, com 0,3%).

Não obstante a Reforma da Fiscalidade Verde ter sido das poucas reformas não revertidas do Governo PSD/CDS, foi, no entanto, necessário, através do Projecto de Lei de Bases do Clima, assegurar um conjunto de princípios que não foram cumpridos desde 2015, a saber:

  • Assegurar que o impacto económico-financeiro e ambiental das alterações legislativas da Fiscalidade Verde deve ser objecto de avaliação e monitorização ex post;
  • Concretizar a neutralidade fiscal, uma vez que a reforma da fiscalidade verde trilhou o caminho do aumento da tributação indirecta, mas não foi acompanhada pela redução da tributação directa (e.g. IRS e IRC) nem pelo reforço dos benefícios fiscais em projectos de eficiência energética; actualmente, o esforço fiscal relativo ao PIB per capita é 20% superior à média europeia (mais alto só na Grécia, Hungria, Bulgária e Roménia), tendo sido – e parece continuar a ser – negligenciado o papel da fiscalidade verde na redução, a médio prazo, da carga fiscal em sede IRS e IRC;
  • Consagrar da taxa de carbono como meio privilegiado de intervenção, ao invés de ser utilizada, apenas, como forma de obtenção de receita fiscal: a redução de 55% de emissão de gases de efeito de estufa até 2030 vai acarretar o aumento do preço do carbono, e por forma à política de carbono ter um papel decisivo na estratégia de adaptação às alterações climáticas à escala global, é necessário interligar os vários sistemas de comércio de emissões a nível mundial. A eficácia da taxa de carbono ficou, aliás, comprovada, por ter concorrido, a par de outros factores, para a decisão de encerramento da Central de Sines no próximo dia 15 de Janeiro.

II. Economia Circular

O Pacto Ecológico Europeu (“Green Deal”) prevê um plano de acção para impulsionar a utilização eficiente dos recursos através da transição para uma economia circular.

Ora, o Projecto de Lei de Bases do Clima do PSD não limita a economia circular à temática dos resíduos, mas alarga o espectro, com vista ao aproveitamento do valor socioeconómico dos bens, à promoção do fecho do ciclo de vida dos materiais e dá também atenção à sociedade de partilha, às plataformas colaborativas da sociedade, aos modelos de negócio e produção, à bioeconomia, ao ecodesign, arquitectura, urbanismo e reabilitação sustentáveis, entre outros aspectos.

E neste particular, o papel a desempenhar pelos municípios será fundamental na recolha e valorização de biorresíduos e na criação de centros de reuso e recuperação de equipamentos.

III. Compras Públicas Verdes e Investimento Público Verde

Sendo um sector que representa 9% do PIB, o princípio orientador das compras públicas deve ser o de privilegiar a aquisição de bens, serviços e empreitadas que promovam a sustentabilidade ambiental, a economia verde e a economia circular.

Estes objectivos devem ser estabelecidos de forma expressa e taxativa nas peças concursais e nos acordo-quadro e outros instrumentos de contratação pública, de molde a permitir o controlo jurisdicional dos procedimentos concursais, não remetendo para critérios vagos, como propostas mais “amigas do ambiente” ou mais “sustentáveis do ponto de vista ambiental”.

De referir, ainda, que o Projecto de Lei da Bases do Clima sinaliza que todos os investimentos públicos devem basear-se exclusivamente na matriz “eficiência”, ao invés de objectivos de dimensão e escala das infra-estruturas, à luz da promoção de um crescimento verde inclusivo.

O investimento público em infra-estruturas – que não se fizeram no passado e que se perspectivam com o “Plano de Recuperação e Resiliência” no âmbito da ajuda europeia – tenderá, por certo, a favorecer sectores que produzem bens não transaccionáveis, o que consubstancia um modelo de desenvolvimento menos sustentável. E mesmo entre os investimentos em infra-estruturas, os efeitos podem ser díspares, como, por exemplo, o investimento na ferrovia, com menor impacto energético e ambiental e com efeitos económicos e orçamentais de longo prazo.

O Projecto de Lei de Bases do Clima do PSD não pretende ser a “bala de prata” do combate e adaptação às alterações climáticas. Mas a identificação e responsabilização que o diploma faz dos diversos sujeitos da acção climática – quer de natureza pública quer privada – afigura-se como um passo decisivo para o sucesso, que é no presente de todos nós e no futuro dos que nos seguirão.