Apelos à intervenção das Forças Armadas para porem cobro à invasão estrangeira, saída de ECOMIB, força de interposição da CEDEAO, ameaças de sangue e guerra civil, criação de um Movimento Patriótico contra a Colonização, são algumas das questões que se ouvem na Guiné-Bissau, da boca de candidatos e dirigentes políticos do MADEM-G15 e do PRS – Partido da Renovação Social, quando faltam poucos dias para o povo ir às urnas (a 24 de Novembro) escolher o novo Presidente do país e pouco dizem do seu projeto.

1 A escassos dias das eleições presidenciais, marcadas para o próximo dia 24, a Guiné-Bissau continua mergulhada num clima de incerteza, mercê da ação de alguns atores políticos, apostados num discurso carregado de ameaças e de rejeição a tudo o que lhes cheire a normalização da vida política e institucional. Assim vem acontecendo ciclicamente desde 1980, com golpes de estado, perseguições e eliminação de adversários. No período anterior as atenções recaíram naqueles que serviram o regime de Lisboa e deu-se um ajuste de contas com os comandos africanos. Em 1998 e 1999 atingiu-se o pico da violência com o despoletar de um conflito político-militar, marcado por uma guerra sangrenta na cidade de Bissau, com recurso a artilharia pesada. Este acontecimento criou novos problemas e deu lugar a uma maior instabilidade com os militares gerindo o poder e os políticos. Em 2012 Carlos Gomes foi derrubado em plena campanha eleitoral por um golpe militar o que originou a entrada da ECOMIB no País.

Em 2014, depois de várias concertações e uma intensa ação diplomática da comunidade internacional e a anuência das autoridades guineenses, o país dava indicações de entrar no caminho da normalização, resultando em eleições legislativas e presidenciais, consideradas participativas, justas e democráticas. Constitui-se um governo com maioria absoluta e alargada a outras três formações políticas e um Presidente indicado pelo partido vencedor, o PAIGC. O governo chefiado por Domingos Simões Pereira (DSP) levou a uma mesa redonda internacional em Bruxelas, um Programa designado de “Terra Ranka” que mereceu a aprovação em toda a linha de países parceiros e organizações internacionais, traduzido em apoios superior a mil milhões de euros.

Mas nada disso valeu. Logo na formação do governo o novo Presidente José Mário Vaz (JOMAV) exigiu ao Chefe de Governo as pastas de Defesa, Administração Interna, Finanças e Economia, criando um ambiente de azedume e de desconfiança. Bastaram meia dúzia de meses para se perceber que o presidente queria mais, como por exemplo ter sempre a última palavra nos atos da governação.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Somaram-se cinco anos de crise intensa com o Presidente JOMAV evocando incompatibilidade de feitios, a exonerar o 1º Ministro e o seu governo saído das eleições com maioria absoluta, um ano depois da posse, ao que sucederam outros seis, todos demitidos em tempo recorde. Agora, em plena campanha eleitoral, ignorando a sua condição de “presidente cessante” voltou a demitir mais um governo saído das legislativas e já com o programa aprovado pelo parlamento, sabendo não ter poderes para tal. Exacerbou os ânimos e os protestos não tardaram a sair às ruas. A demissão não se consumou devido a fortes pressões internas e da própria comunidade internacional confirmando o governo do PAIGC, como o único legal.

A comunidade internacional que nas últimas duas décadas vem apoiando o país com medidas especiais, que vão desde concessão de verbas consideráveis, destinadas a contribuir no esforço para sanear a economia do país, abertura de escritórios com mandatos especiais, passando pela permanência de forças dissuasórias de militares e paramilitares no território, começa a dar sinais de saturação, perante o recrudescimento constante de crises, sobretudo nos momentos cruciais em que se vislumbram soluções democráticas, fruto de persistentes mediações e de uma população que no seu dia-a-dia, se mostra ávida de paz e de uma governação que responda aos seus anseios de uma vida melhor.

2 Ante um certo sossego que paira nos quarteis desde que em 2012, com aplicação de sansões a cinco militares de alta patente, resultando posteriormente no afastamento do antigo CEMGFA, general António Indjai, há políticos que vêm formulando discursos e apelos com uma narrativa de cariz nacionalista primário e racista com o intuito de empurrar as forças armadas para uma intervenção, alegando estar o país perante uma “invasão de forças estrangeiras” referindo-se à presença em Bissau de um contingente militar da CEDEAO (Comunidade Económica dos Estados da Africa Ocidental) designada de ECOMIB, estacionada no território guineense desde 2012 a pedido das autoridades nacionais, na sequência de mais um golpe e da instabilidade instalada.

O próprio presidente cessante JOMAV, ele também candidato à sua sucessão, não hesitou em convocar o Conselho Superior de Defesa, por duas vezes ordenando, em vão, uma ação das forças armadas e de segurança guineenses, em “defesa dos interesses nacionais”. JOMAV reagia assim, ao facto da CEDEAO, na qualidade de mediadora e supervisora da crise, o ter pressionado a cumprir os Acordos de Abuja e de Conacri, que ditaram a nomeação do governo do partido vencedor das legislativas, o PAIGC e limitado os seus poderes em consonância com a Constituição guineense e ao consenso obtido nas várias concertações promovidas pela Organização regional e da própria União Africana, com o respaldo da União Europeia e das Nações Unidas. JOMAV vive também o desespero de estar cada vez mais só, ao ter perdido o apoio daqueles que ele sempre patrocinou e que na hora das eleições o abandonaram, indicando os seus próprios candidatos, como são os casos do MADEM-G15, composto por dissidentes do PAIGC e do PRS, partido fundado e dirigido até à morte por Kumba Yala.

O desfile de figuras alinhadas nesse diapasão vem aumentando à medida que a campanha avança e fazendo fé nos analistas locais, vão surgindo sinais de pouca recetividade das populações às suas mensagens veiculadas na campanha eleitoral iniciada a 2 de Novembro. O que apoquenta ainda mais o JOMAV e seus assessores e uma empresa de imagem contratada, é também o facto do candidato do PAIGC, Domingos Simões Pereira, que já percorreu o país de lés-a-lés ser “o único a apresentar um manifesto e um programa de ação” e ter visto a sua campanha transformada em banhos de multidão, mesmo em zonas outrora nada favoráveis ao seu partido. O último sinal que o coloca como favorito a vencer na primeira volta foi um enorme comício por ele feito em Calequisse, terra natal de JOMAV e a receção que lhe foi dispensado na região leste cujas populações são maioritariamente islamizadas.

3 Os dirigentes do PRS e do MADEM-G15, à medida que o tempo passa, viram o discurso contra a comunidade internacional e atiram em todas as direções: o líder da bancada parlamentar do Partido da Renovação Social (PRS), Sola N’ Quilim Na Bitchita, afirmou aos jornalistas em Bissau, que o seu partido não hesitará em considerar “declaração de guerra”, qualquer tentativa de estacionamento de mais contingentes militares da ECOMIB, em qualquer ponto do território nacional. Ainda na mesma conferência de imprensa, Sola Nquilim Na Bitchita acusou o Embaixador dos Estados Unidos de América, representantes da União Africana e da CEDEAO na Guiné-Bissau, de terem deixado cair as máscaras, enquanto protagonistas do que chama de “desenquadradas resoluções adotadas pela CEDEAO”, numa altura em que no seu entender, o país goza de uma absoluta tranquilidade e paz. Note-se que as referidas resoluções a que se refere Sola Na Bichita, foram assumidas pelas autoridades do seu país e pelas forças políticas com assento parlamentar e pelo seu partido, razão, porque nunca o denunciaram. O antigo primeiro-ministro, do mesmo partido, Artur Sanhã, mais lesto que os seus companheiros, deu um passo em frente e criou o “Movimento Patriótico Contra a Colonização”, como organização para rechaçar as investidas dos estrangeiros.

Com o mesmo discurso radical coloca-se o candidato do MADEM G15, Umaru Sissoco Embaló, que ostenta a bandeira de ter sido conselheiro do defunto líder líbio Khadafi, usando sempre nas suas comunicações, uma linguagem belicista e de confrontação. Num comício na região de Cacheu, criticou com dureza os militares por “desobediência ao presidente”, exigiu a retirada urgente da ECOMIB do território guineense. Indo bem mais longe, este candidato garantiu que se o líder do PAIGC, Domingos Simões Pereira vencer na 1ª volta, vai haver sangue e guerra civil. O homem que tem um discurso de pendor religioso e étnico, mas que ao mesmo tempo se apresenta como general do povo, afirmou ou estar em preparação uma fraude eleitoral e assim sendo vincou “o cenário vai ficar feio” e citando o falecido presidente kumba yalá, em tom ameaçador referiu, “ou morremos todos ou viveremos em paz”, para de seguida garantir “vou resgatar a Guiné-Bissau da colonização imposta pela comunidade internacional”.

A contrapor esta “tendência incendiária” no dizer do candidato do “PUSD”-Partido Unido Social Democrata, Gabriel Indi, perfilam-se outros políticos que lutam pela cadeira do poder com a moderação que a lei e o código de ética em vigor exigem. O candidato à presidência da Guiné-Bissau Domingos Simões Pereira, privilegia temas de coesão e unidade nacional, fala da necessidade de dotar a terra de políticas de desenvolvimento, destaca como imperioso diálogo e concertações permanentes, primado da lei, a separação de poderes, respeito pelas diferenças, mas manifesta-se preocupado com o nível de abstenção que defende, deve ser combatido, através de um diálogo aberto com propostas e diz estar a trabalhar para vencer as eleições do próximo dia 24, logo na primeira volta. “O povo é que decide. Eu penso, por aquilo que nós temos visto, que há uma grande determinação do povo em resolver tudo à primeira volta. Agora há um grande desafio, que é reduzir o nível da abstenção”, afirmou Domingos Simões Pereira, candidato apoiado pelo PAIGC, em declarações à imprensa na cidade de Canchungo.

Outros candidatos manifestam-se preocupados com o vazio das mensagens de alguns e incendiárias de outros. Idríça Djaló líder do “PUN” Partido de Unidade Nacional, sendo muçulmano, critica o uso oportunista da religião e o facto da maioria da classe política só ter uma única agenda que é enriquecer à custa do povo, construir casas com fundos públicos, adquirir viaturas, tudo em benefício próprio. Já o jovem Gabriel Indi, do PUSD- Partido Unido Social Democrata, tem apelado aos candidatos para que ponham fim a discursos incendiários e etno-religioso. O empresário Carlos Gomes Júnior, tem enveredado por uma clara moderação nas suas intervenções, mas ainda assim, não abandona alguma ambiguidade dizendo que caso vença as eleições, só depois da posse, decidirá se mantém ou não o governo do PAIGC, partido que ele dirigiu até ser derrubado por um golpe militar, enquanto Primeiro Ministro, em 2012, e candidato às presidenciais, uma afirmação que faz avolumar a incerteza no futuro próximo, atendendo a quantidade de achas que muitos responsáveis políticos metem na fogueira.

4 Como que a propósito, as três confissões religiosas mais destacadas do país, a Igreja Católica o Conselho das Igrejas Evangélicas e as três associações da religião muçulmana (Conselho Nacional Islâmico, Conselho Superior Islâmico e Associação dos Imames da Guiné-Bissau) deram sinal de unidade, reunindo-se na capital guineense, no início da campanha eleitoral e na voz do Bispo de Bissau Dom José Camnate, apelaram  aos  responsáveis dos órgãos da soberania e dirigentes políticos a respeitarem a vontade do povo manifestada nas eleições, como também as leis do país, “instrumentos orientadores de como se deve viver em democracia”. Nas últimas horas foi a Comissão Nacional da Reconciliação Nacional a lançar um apelo aos candidatos e formações à observância da lei e valores da ética nas ações da campanha.

As populações, as principais vítimas das incongruências dos políticos e constante instabilidade, vivem abaixo do limiar da pobreza, enfrentando evidentes carências de toda a ordem, do mais essencial como a aquisição do arroz, elemento indispensável na dieta alimentar guineense, ao acesso à saúde, à água e à eletricidade. A pobreza atinge uma fatia enorme da população evidenciado nos estudos existentes que indicam que ela tende a aumentar. Os últimos dados conhecidos, falam em cerca de 70 por cento atingidas, quando em 2002 era de 20,8 por cento. As pessoas sobrevivem e vão-se adaptando às circunstâncias, sobressaindo a figura da mulher como uma espécie de resistente e tábua de salvação, multiplicando-se em pequenos negócios “para safar a vida e minorar os males”. Há quem, nestas ocasiões em que alguns políticos precisam de apoios, não hesitam a entrar numa espécie de jogo de gato e do rato ou de salve-se quem poder. Há dias nas redes sociais, muito ativas na Guiné-Bissau, um jovem ilustrava essa situação explicando, “se excluir um ou dois políticos, a maioria só quer o poder para se governar, por isso pagam para irmos aos comícios, onde não dizem nada que nos interessa ouvir…eles têm muito dinheiro, distribuem umas notitas, e nós recebemos mas na hora de votar, sabemos quem é quem e por isso agora ninguém nos engana porque dinheru patidu na bulsu pa mata fomi e voto na urna, ma pa kudji kin ku pudi kaba ku fomi o que traduzido em português significa: dinheiro oferecido pomos no bolso para matar a fome e o voto colocamos na urna, mas para aquele que pode acabar com a fome.