Vendo bem, sem sexualidade não há casamento. Por outras palavras: é a sexualidade que “consuma” o casamento. Na verdade, é a sexualidade que nos leva a esclarecer se estamos casados, por dentro, com uma pessoa. É a sexualidade que segura, por muito tempo, um casamento. Quando elas escasseiam, é a sexualidade que dá a um casal a maior parte das poucas experiências de intimidade a que é capaz de chegar. E é a sexualidade que inaugura a descoberta de que a pessoa com quem a vivemos não nos conhece, não nos deseja, nem nos ama como precisaríamos que acontecesse. Ou seja, é a sexualidade quem mais nos casa. E é ela quem primeiro nos esclarece que nos estarmos a divorciar, devagarinho.

O que se passa, imensas vezes, é que muitas das nossas reticências secretas, em relação a uma pessoa, com a sexualidade ficam a nu. E os seus gestos mais súbitos, aclaram-nas. A forma como ela não nos arrebata, esclarece-nos. E o jeito como não somos o desejo um do outro elucida-nos. Na sexualidade, despimo-nos mais por dentro que por fora. Com ela, ficam a “cru” muitos aspectos de nós que a “maquilhagem dos dias” consegue disfarçar. Às vezes, ficamos mais bonitos. Muitas vezes, nem por isso. De vez em quando, empurra-nos para que tudo fique mais decepcionante. A sexualidade não diz, por nós, todas as palavras que nunca nos dissemos. Nem nos compensa de toda a intimidade que não construímos. A sexualidade ajuda o amor. Mas, por vezes, ilude a sua ausência. E pode, ainda, noutros momentos, como pouco mais na nossa vida, acentuar a solidão que, distraidamente, nos foi passando despercebida.

Talvez, por isso, a sexualidade seja, para muitos de nós, o “débito conjugal” com que alguma teoria jurídica a tomava quando se tratava de falar dos deveres conjugais. Como se fosse uma obrigação. Uma espécie de “febre de sábado à noite”, mais ou menos ritualizada. Sem a paixão, o desejo e a graça que ligam duas pessoas ao encantamento que faça de cada uma delas o melhor da outra. E que as leve, às duas, a sentirem uma relação amorosa como uma experiência (adulta) de comunhão que as arrebata e as transforma. E as faz, seguramente, tornarem-se mais transparentes, mais simples, mais bondosas e mais bonitas. Talvez seja por isso que, no discurso público, a expressão “fazer amor” vá dando lugar a “fazer sexo”. Pode parecer uma pequena diferença, mas há uma imensidão de pequenas coisas que as separa. Quando o melhor das poucas experiências de intimidade nos chega, unicamente, através da sexualidade, ela não é “fazer amor”. Transforma-se, aos poucos, em “fazer sexo”.

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