Num templo budista em Fushimi, ao sul de Kyoto, distribui-se um pequeno folheto com alguns episódios relacionados com a história daquela venerável casa de oração. Um deles reza assim:

“Em tempos há já muito idos, uma mulher residente nesta freguesia morreu antes de dar à luz o seu filho. Ambos, a mãe e o pequeno, que não tivera a graça de ver a luz do dia, foram enterrados juntos na mesma sepultura.

“Pouco depois do caixão ter sido coberto de terra, uma mulher aparentando vinte e sete anos entrou na loja hoje conhecida como Yurei Ameya [Doçaria de Fantasmas] e comprou um rin [moeda de cobre de baixo valor] d’água-doce. Ao anoitecer do dia seguinte voltou lá, pálida e fantasmagórica, e repetiu a compra. Isto sucedeu-se à mesma hora seis vezes, pelo que o lojista, começou a matutar quem seria ela, e decidiu-se a segui-la da próxima vez que lhe aparecesse na loja. Mas no sétimo dia ela não voltou lá à hora habitual, mas quando já estavam a fechar a loja.

“Nessa mesma noite um penhorista viu entrar no seu estabelecimento uma mulher que parecia emaciada pela doença e que queria penhorar o seu gancho de cabelo, produto da mais fina arte de artesão com mão segura, feito de carapaça de tartaruga e âmbar de cor. O seu nome e morada ficaram registados, o gancho foi guardado, mas o prestamista ficou espantado ao notar que as geta dela não faziam qualquer ruido ao sair da loja.

“Quando a estranha cliente saiu da sua loja nessa sétima noite, o homem dos doces seguiu-a discretamente. Ela tomou o caminho de uma colina e quando chegou a um cemitério a sua figura desapareceu e uma flama azul-esverdeada surgiu por um breve instante antes de se extinguir. O comerciante amedrontou-se e fugiu para sua casa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

“Na manhã seguinte, acompanhado por vários vizinhos, voltou ao cemitério e descobriu que uma das sepulturas era recente. Depois de se determinar quem era a família, o consentimento desta foi obtido para que se procedesse à exumação. Assim que se abriu o caixão ouviu-se um chorar e viu-se um bebé junto ao cadáver da mulher que tinha comprado um rin d’água doce durante sete dias. Também foi encontrada uma pequena taça com restos d’água doce.

“Ficou então claro que a alma da mulher morta tinha assumido forma humana e que, com os seis rin que são usualmente postos no caixão durante as exéquias, tinha ido durante seis noites comprar a água-doce que tinha sustentado a vida do seu filho. Mas de onde teria vindo a moeda para a sétima compra?

“Chegando à data da maturidade do contrato de penhora, e não tendo a sua proprietária vindo redimir o gancho de cabelo, o prestamista foi à morada da sua devedora. Mostrando o objeto à família, este foi reconhecido como sendo o que tinha sido posto no cabelo da senhora da casa, que havia falecido umas semanas atrás, quando fora a enterrar, por ser o seu preferido. Assim se percebeu a proveniência do dinheiro pago pela sétima compra d’água doce.

“Todos aqueles a quem estes acontecimentos foram relatados louvaram o amor de Mãe desta mulher que, para prolongar a vida ao seu filho, não se importara de demorar a sua estadia no mundo das sombras e atrasar a sua entrada no paraíso.”

A essência de ser mãe é dar vida. E proteger, nutrir e amar essa vida, mesmo à custa de sacrifício pessoal. O contrário é aberração.

(O avtor não segve a grafya do nouo Acordo Ørtográfico. Nem a do antigo. Escreue como quer e lhe apetece.)