Sinto que a filosofia é a mãe de todas as ciências, mas não me sinto de maneira nenhuma um filósofo. No entanto, gostaria de abordar esta disputa que parece eterna, “toiros sim, toiros não” como o filósofo francês Francis Wolff, que prefere calar gritos para escutar razões porque a sua vocação de filósofo não está no intercâmbio de paixões, mas sim na procura de conceitos. Deveria ser assim entre duas partes tolerantes e civilizadas, mas, infelizmente, não é isso que se passa quando vejo de um lado um animalismo militante e intolerante ter-se convertido já numa arma de uso político. De uso em votos e de uso violento, uma vez que, amparado pela suposta sensibilidade ao animal, o homem animalista pode ser violento com outro ser humano. Pois é, parece mentira, mas é a realidade.

Convém aqui recordar para os menos atentos as definições de animalismo e humanismo. O animalismo é uma corrente de opinião que nega o antropocentrismo para igualar o ser humano com todas as espécies de seres vivos. Igualar significa colocá-los em igualdade de direitos (não de deveres) e conseguir a sua inserção social para todos os efeitos.

O humanismo é a corrente filosófica suportada pela ciência e até pelas religiões, que situam o ser humano como centro de todas as vidas, estimulando o desenvolvimento da sua inteligência, sensibilidade e criatividade.

O sentimento da compaixão é uma das características da humanidade e uma das fontes da moralidade. Mas os adversários das corridas de toiros têm que saber que os aficionados às corridas de toiros partilham esse sentimento. Os anti-taurinos não têm o monopólio da sensibilidade e dos bons sentimentos. Nenhum aficionado tem o menor prazer em ver sofrer qualquer animal.

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Actualmente, existe uma narrativa daquilo que é a corrida de toiros escrita pelos animalistas, absolutamente negativa e de mensagem; este relato é o único que há e entra na sociedade, a sociedade acredita no que se lhe está contando. Querem-lhe impor que o animal, qualquer que seja, tenha uns direitos que proíba ao homem utilizá-lo como sempre fez, isto chama-se biocentrismo – i.e. todas as espécies são iguais; ora, isto é exactamente o contrário do que estipularam todas as religiões e todas as moralidades desde os princípios da humanidade, que consideram todos, todas e todos, que o homem está no centro do mundo ou da criação, para os que acreditam nas religiões ou, para os que não acreditam, que o homem tem uma posição central e a responsabilidade de ordenar o mundo ao seu redor – antropocentrismo.

Na actualidade prolifera uma certa moda oportunista, vagamente naturalista, vagamente compassiva, vagamente “verde”, vagamente “vitimista” e, sobretudo, completamente ignorante quer da natureza animal, quer da realidade das corridas de toiros. Esta conjuntura suscita simpatia com qualquer causa animal de uma maneira tão espontânea como irreflectida e, portanto, desperta a antipatia imediata contra a festa dos toiros.

O animalismo anti taurino, urbano e “moralista“, nega-se ao debate sério, basta-lhe com dar rédea solta aos seus “bons sentimentos”. O animal de companhia é o seu vínculo com a animalidade, a cura do peso da consciência de ser consumidor urbanita e destruidor humano da fauna. Ama-o e não quer que ninguém ponha um par de bandarilhas no seu cãozinho. Obviamente, ninguém quer. Na verdade, com efeito, compreende o toiro de lide como compreende o seu animal de estimação que o acompanha e consola. E não admite outras disquisições, nem pergunta mais nada.

Mas uma coisa é extrair as consequências pessoais da sensibilidade de cada um e outra, muito diferente, é fazer dessa sensibilidade um standard absoluto e considerar as suas próprias convicções como o critério da verdade. Essa é a definição de intolerância e em tons fascistas.

O animalismo e o imperialismo cultural que nos querem impor estão indissociavelmente ligados. O imperialismo cultural mais poderoso, o imperialismo cultural anglo-saxónico e seus princípios animalistas, têm fontes históricas, ideológicas e inclusive religiosas próprias que estão nos antípodas das tradições culturais, ideológicas e religiosas dos povos mediterrânicos.

Como explicar que uma tradição tão particular e aparentemente tão limitada histórica e geograficamente, tenha inspirado as obras de artistas pertencentes a modos de expressão, nacionalidades, horizontes e estilos tão diversos, senão fosse porque a festa dos toiros encerra em si mesmo tantos tesouros de expressão artística e tantos valores humanistas?

Numa época em que se defende a diversidade cultural, em que se pretende resistir à globalização da cultura, em que se luta contra a uniformização dos valores e dos costumes, em que se denuncia a omnipotência da dominante e avassaladora civilização anglo-saxónica, não devemos defender as identidades culturais locais, regionais, minoritárias? A cultura é um elemento vital nas democracias e no desenvolvimento do humanismo. Se eliminássemos todos os artistas que contactaram ou se interiorizaram com o mundo das corridas de toiros, teríamos que eliminar uma grande parte da cultura nacional, ibérica e mesmo universal. Será tão difícil esta sociedade entender isto?!

O que se passa actualmente é uma involução violenta em direcção ao nada, igualando tudo o que é diferente numa “lobotomia de sensações e raciocínio intelectual aplanado”, uma tragédia!

Assistimos, sem que ninguém levante a voz, à decadência do humanismo, essa ideia de superioridade intelectual, moral, ética e estética posta nos corações dos seres humanos. Pandilha de ignorantes!

Confunde-se “animalismo” com ecologia. E, no entanto, um é o oposto do outro. Acontece que numerosos ecologistas “esquecem” os seus próprios valores para abraçar valores animalistas, que são contrários.

Não se pode ao mesmo tempo salvar a espécie “leopardo” por razões ecologistas e preocupar-se com o sofrimento das gazelas por razões animalistas. Da mesma forma que não se pode salvar o lobo por razões ecologistas e ter pena das ovelhas por instintos animalistas. Não se pode alimentar os pombos (por sentimento animalista) e preocupar-se com as suas pragas (por razões ecologistas). Há que escolher: ecologia ou animalismo. A espécie é sempre mais importante que o indivíduo. O ser vivo só se pode manter biologicamente vivo pela morte de outros seres vivos; o respeito indiscriminado de toda a vida equivalia simplesmente ao fim dessa mesma vida. A festa dos toiros está radicalmente no lado da ecologia.

Resulta chocante a agressividade animalista para com um ecossistema exemplar como a tauromaquia, já que o toiro bravo foi a única raça bovina no mundo ao qual se garantiu desde o século XVIII um habitat privilegiado, uma vez que se valorizou mais a sua bravura do que a sua carne. Desde então, vive em grandes extensões – 2,5 ha por animal – a sua dieta é natural e complementa-se com alimentos naturais; o macho tem uma esperança de vida quatro vezes superior à dos bovinos de carne; o facto de habitar os montados protege os habitantes desse ecossistema, tais como as águias, milhafres, grous, bufo real. abutres, grifos e abetardas (espécie protegida).

A sua peculiar alimentação e maneira de comer como herbívoro protege as raízes dos pastos e preserva as sementes das árvores, limpa os campos de mato e prepara-o para a seca. Por isso nas ganadarias bravas, como escrevi noutra ocasião, não há incêndios também porque a perigosidade do toiro evita o acesso a furtivos e pirómanos.

Os animalistas defendem que, como “todos somos animais”, devemos ter o mesmo tratamento para com os animais que temos para com os homens. Enganam-se! É justamente porque o homem não é um animal como os demais que tem deveres para com eles e não ao contrário. Mas estes deveres não podem, em nenhum caso, confundir-se com os deveres universais de assistência, reciprocidade e justiça que temos para com os outros homens enquanto pessoas. Isto significa que não podemos confundir os princípios do humanismo com os do animalismo. O animalismo não é uma extensão dos valores humanistas. É a sua negação. Um animal copula, não faz amor. Ou desamor. Um animal não saberá nunca quão grandioso pode ser um ser humano, o animal mais perfeito deste mundo.

O animalismo militante tem um efeito devastador na ecologia, O animalismo extremo que vivemos estes dias é, sem demagogias, o princípio do fim da biodiversidade. Da ecologia e do equilíbrio natural deste planeta. Os animalistas não querem que os toiros invistam, que os cavalos corram e que os cães cacem. São gentes boas e angélicas. Pena que o mundo dos bons esteja cheio de contradições não assumidas.

O biocentrismo que os animalistas querem impor é uma concepção da vida que vai muito mais além de proibir as touradas, porque se as pessoas pensam que se vão conformar com proibir a corrida de toiros estão enganados, o que querem proibir é que se mate o animal, que se coma carne, que se coma peixe, que se utilize o cão e, no limite, os mais radicais quererão um dia mesmo acabar com o animal de companhia. Não se vão conformar com proibir a tourada.

As pessoas têm que ter consciência do que há, é uma seita a nível mundial muito perigosa. Tocou-nos ao mundo taurino estar na linha da frente, simplesmente porque é um mundo fascinante, simbólico e pensam que se acabam com ele será um grande passo até à vitória final.

O delírio com os animais é um novo obscurantismo, delirante e perigoso. A nova bondade com os animais não é mais do que “ódio ao homem”, consagração estética do rancor. Escapa a qualquer conceito intelectual ou a alguma razão.

Vivemos demasiado bem até agora. O século XXI será recordado como o fim da liberdade e da cultura, as “bombas” foram tecnológicas (algumas provavelmente sanitárias) e assim adormecem o pensamento, convertendo as pessoas em “borregos usuários de écrans”, dispostos a comprar informações e mensagens em todas as esquinas. E os governantes de Portugal são verdadeiros especialistas nesta matéria!