O ano que agora começa vai ser marcado pelo desejo de que pouco ou nada mude. Pelo menos é assim que o pretendem Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Ferro Rodrigues, Carlos César e boa parte dos comentadores políticos nacionais. Basicamente, quem está na mó de cima deseja que 2019 não divirja dos últimos três anos.

Sendo a democracia a expressão da vontade de maioria dir-se-ia que tal não vai ser difícil. Basta votar num partido, este ganhar as eleições e governar cumprindo o programa eleitoral. Simples. Não fosse um senão: a realidade. E a realidade é muito mais complexa que reduzir a democracia a votar.

A realidade em 2019 apresenta-se de duas formas: uma, na incapacidade da minoria dos portugueses, que não quer que este ano seja igual aos anteriores, continuar a arcar com uma governação feita de acordo com a vontade da maioria. Fundamentalmente, os portugueses que têm feito a economia crescer estão esgotados. É que não é fácil levar um país às costas. Uma coisa era o Zé Povinho do Bordalo carregar com os políticos; outra é alguns portugueses, que trabalham no sector da economia que paga ‘isto tudo’, levarem com a geringonça, respectivos séquitos e milhões de eleitores (com muitos pseudoempresários pelo meio) que se sustentam em troca de uma governação adequada aos seus interesses.

Esta é a primeira faceta da realidade: a exaustão de alguns portugueses. A segunda é internacional e prende-se com a confusão que por aí anda. O Brexit, o fracasso de Macron, o fim anunciado de Angela Markel, a existência de Donald Trump, o endividamento norte-americano, o poderio da China (a par com o endividamento chinês), a autocracia de Putin que se inflintra nos alicerces ocidentais e por aí em diante. Para as personagens referidas no primeiro parágrafo esta segunda realidade é mais grave porque é incontrolável.

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Para o compreendermos temos de analisar a política nacional dentro do prisma que marca Portugal, de há séculos a esta parte: se o mundo estiver bem não há motivos de preocupação e quando está mal não há nada a fazer. Ou seja, enquanto o crescimento económico dos EUA, da Alemanha, de parte da Europa e da China compensarem a dívida crescente das respectivas economias, Portugal só tem de deixar-se ir. Boa parte do país não aguenta impostos altos? Nem os interesses das corporações? Não interessa. Com o crescimento económico dos outros é certo e sabido que sobra qualquer coisinha que aguenta o barco. É aproveitar. A soberania de que tanto se falou durante o período de intervenção da troika não passa disto: de apanhar as migalhas que vêm do estrangeiro.

O problema é quando o mundo pára também. Nesse momento, o país não se aguenta porque a única coisa que o sustenta caiu. Essa é a altura em que as personagens, como as referidas no início desta crónica, saem de cena. Já aconteceu imensas vezes, não será a primeira. O dilema é que 2019 é demasiado cedo para isso. Normalmente, a realidade leva mais tempo a manifestar-se. É por esta razão que Marcelo Rebelo de Sousa, António Costa, Jerónimo de Sousa, Catarina Martins, Ferro Rodrigues, Carlos César e boa parte dos comentadores políticos nacionais o que mais desejam é que 2019 não difira muito de 2018. Mesmo que a custo das cativações.

É rasteiro mas é o que temos.

Advogado