A religião católica é mais ou menos como o feminismo: quando entra em cena é certo e sabido que numerosos cérebros param de raciocinar, as ligações neuronais empancam, quiçá têm alterações pouco saudáveis da química cerebral, e os detentores de tais cérebros entregam-se a tiradas iradas mas ignorantes. Tivemos a última salva de ataques de nervos com o catolicismo à volta das Jornadas Mundiais da Juventude no Panamá e das próximas que se realizarão me Lisboa.

Por um lado, é a Associação Ateísta Portuguesa que se amofinou por Marcelo Rebelo de Sousa ter participado nas Jornadas no Panamá. Não interessa que grande parte da população portuguesa que o Presidente da República representa seja católica; que existisse uma delegação de jovens portugueses no evento. Claro que, se o PR português assistisse à cerimónia de transmissão do Arcebispado da Cantuária ou às festas de fim do Ramadão num país islâmico, tal seria somente respeito pela religião alheia, um notável exercício de tolerância merecedor de prolongados aplausos, um enternecedor exemplo de acolhimento da diferença. Mas em se tratando de algo vagamente católico, ah então nem pensar.

Porém nem só as Jornadas Mundiais de Juventude do Panamá incomodaram os sensíveis laicistas radicais. Também as próximas Jornadas em Lisboa, lá para 2022, causaram transtorno. De imediato as redes sociais se manifestaram com gozo, repúdio, vagos torcer de nariz ou enfáticos revirar de olhos. Um mega evento católico em Lisboa? Outra vez?! O raio do Papa novamente a ocupar as televisões?! Que mal fizemos para merecer isto?!

Não interessa (outra vez) que as Jornadas estejam longe de ser um congresso de malfeitores, e que até dinamizem a economia, permitam trocas e interações proveitosas entre os jovens de várias nacionalidades (o que, em tempos de vírus isolacionistas, é fulcral), projetem de forma simpática o país – tudo isto sem grandes efeitos secundários negativos.

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É indiferente, está mal na mesma. Recordemos que no ano passado Lisboa acolheu o Jubileu de Aga Khan, teve várias ruas cortadas, recebeu imensos muçulmanos xiitas ismaelitas. Foi muito bonito, claro (e foi), grande tolerância e simpatia a assinalar de parte a parte (sem dúvida) e louvaram-se os ganhos económicos deste encontro, entre mais umas tantas maravilhas.

Também Lisboa se candidatou para receber o Europride em 2022, contando até com o apoio do governo português esta candidatura (e muito bem). Se vencer, os enxofrados com as Jornadas da Juventude ficarão enternecidos (e, mais uma vez, bem) com a tolerância estendida aos gays e lésbicas que afluírem a Lisboa. Salientar-se-ão ainda as receitas do evento e como o país foi bem promovido internacionalmente.

Tudo está bem desde que seja estanque do catolicismo.

Porém a tontice não se manifesta só nos beatos anticatólicos. Houve críticas porque as Jornadas se realizarão em Lisboa e Loures. Outro cliché destes anos é o de criticar tudo e mais alguma coisa que aconteça em Lisboa, como se se tratasse de um cancro do país, um bando de gente inútil que consome recursos dos esforçados portugueses de outras zonas. (As estatísticas dizem o contrário, mas que fazer?) Os limites do ridículo passaram-se quando houve indignação porque Lisboa ia receber o Festival da Canção. (Quem luta por um Festival da Canção?!) Os do revanchismo ultrapassaram-se com o caso Infarmed (com a ajuda do sempre destravado governo PS), com tantos regozijando-se com os transtornos que se causariam às famílias que se teriam de mudar para o Porto.

Miguel Sousa Tavares reclamou até que as Jornadas deveriam ocorrer em Beja. Ora eu concordo que há debates a serem feitos sobre descentralização. Convém é que sejam feitos com inteligência e percebendo que atualmente a distância não se mede por quilómetros mas por tempo. E que é natural a preferência das pessoas viverem nas cidades – porque são, e sempre foram, os locais de vanguarda, de inovação, de trocas culturais. Tal como nem todos os jovens licenciados que emigraram nos últimos anos o fizeram a contragosto, também nem todas as pessoas que escolhem viver em Lisboa sofrem horrores com a decisão e passam anos em psicoterapia.

Sou de opinião que é uma vergonha em 2019 não haver ainda autoestrada até Beja, a capital de distrito onde mais se sente a interioridade. Ou aquele investimento desastroso do aeroporto não ser aproveitado para companhias aéreas low cost. Em Beja protesta-se, com razão, da falta de comboios rápidos até Lisboa e da degradação do hospital, com cada vez menos especialidades. Sentiram como um golpe a escolha de uma base aérea em Sintra, em vez de Beja, para centro europeu de treinos de helicóptero da DEA. Já as Jornadas Mundiais de Juventude – não. É que a maioria dos jovens não vai ficar em hotéis. Vai ficar em colégios católicos, espaços das paróquias e com famílias que os recebem. Por outro lado, os jovens quererão ir a restaurantes, bares e por aí adiante. Convém que se escolha uma zona com abundância de ofertas deste tipo.

E mais. A área metropolitana de Lisboa tem quase três milhões de habitantes. Quase 30% da população portuguesa. Lisboa é uma cidade média-pequena em termos europeus e o país – todo o país – tem a ganhar com uma cidade de dimensão mínima para ser atraente face a outras cidades europeias – tanto para eventos como para sedes de organizações ou investimentos. Um francês pode estar disposto a vir viver para Lisboa mas recusar-se em se tratando de uma cidade ainda mais pequena.

Talvez fosse de parar de tratar esta parte da população como intrusa no país. Também tem carências de infraestruturas e populações vulneráveis, se calhar em maior número que alguns distritos longínquos. Neste caso, uma zona muito bonita do concelho de Loures (conhecido pelo número de milionários – ah, espera…), junto ao Tejo, será aproveitada e requalificada. Desta vez podemos dizer ‘Bernardino, amigo, o povo está contigo’.