Quando, no mês passado, o Wall Street Journal perguntou a Henry Kissinger se algum dos líderes actuais tem as características apontadas no seu novo livro, ‘Leadership’, a resposta imediata que deu foi não. Para de seguida acrescentar que, tirando de Gaulle, também nenhum dos referidos no livro, sejam Adenauer, Nixon, Lee Kuan Yew ou Sadat e até Thatcher, tinham noção dessa distinção. O que os diferenciava dos demais era o não serem tácticos. Conheciam bem a arte do tacticismo, usavam-na com mestria, mas não se reduziam a isso. Acima de tudo tinham um propósito; uma visão para o país que governavam. Foram políticos que pensavam de forma profunda. Não eram figuras superficiais.

Com o desaparecimento de Mikhail Gorbatchev recordei-me de Leonid Brejnev. Simplesmente, porque o primeiro foi o oposto do segundo, pois se aquele concluiu que a URSS tinha de mudar, este considerou que não. Depois do terror de Estaline e do estilo errático de Khrushchev, o homem de qualidade médias que ninguém temia foi a figura encontrada para dar um rosto ao Politburo, nessa altura conhecido por Presidium. Apesar da falta de brilho, do pouco conhecimento dos assuntos e de ser mau orador, o historiador britânico, Robert Service, conta-nos que Brejnev estava ciente das suas únicas qualidades: organização e psicologia. Foi dessa forma que afastou os seus adversários ao ponto de apenas a morte o retirar da liderança da URSS. Foram essas suas capacidades, organização e psicologia, que lhe permitiram perceber o que a União Soviética precisava para continuar: estabilização.

Para os comunistas o conflito não é inevitável. Contrariamente aos liberais, que o consideram como parte integrante da natureza humana e que por isso deve ser canalizado para a competição livre dos mercados, que é menos violenta que as guerras e as revoluções, o comunismo vê no conflito uma luta de classes que termina no mundo pacífico que é o comunista. Depois da tirania da revolução, do despotismo de Estaline e da imprevisibildiade assustadora de Khrushchev, Brejnev julgou que o melhor seria fazer de conta que a URSS vivia um ‘socialismo desenvolvido’; que o ideário comunista estava prestes a ser alcançado e que o Partido era essencial para a finalização desse percurso. Essa crença permitiu travar as reformas e deixar a vida fluir. Para quê mudar de rumo se caminhamos para o paraíso?

O período soviético que medeia entre 1964 e 1985 foi vivido nessa certeza não evidente. A estagnação acabou por obrigar à mudança, pois com esta ainda se escolhia o tipo de fim. Brejnev sabia muito de psicologia humana, mas não tinha visão nenhuma. Ao pé dele, Adenauer, de Gaulle e Thatcher eram loucos. Foram criticados várias vezes, muitas mais acusados de não terem em conta a psicologia humana. A história diz-nos hoje quem estava certo e quem errou.

António Costa está longe de ser Leonid Brejnev nem Portugal se assemelha ao que foi a URSS. A comparação que faço não é a esse nível, mas toca noutro ponto que é a falta de visão do nosso Primeiro-Ministro compensada pela astúcia e o conhecimento que tem da psicologia humana. António Costa sabe que os Portugueses desejam tranquilidade acima de tudo. É assim há séculos e não há mal nenhum em reconhecê-lo. A geografia não é a única explicação para a suavidade portuguesa. Costa também considera que Portugal não é capaz de mais. Um país europeu, integrado na UE, que falhou o desafio do desenvolvimento sustentado, mas que se mantém tranquilo e sossegado com as ajudas de Bruxelas. É esse dinheiro que dá folga aos governos para pagar ordenados na função pública, deixar os ’empresários’ amigos satisfeitos com o poder e dar continuidade ao funcionamento mínimo dos serviços públicos. É a folga que esse dinheiro traz que permite que a liberdade de imprensa não incomode em demasia e a indignação não se propague. Quem não gosta pode criticar (aqui estou eu) ou ir embora. Muitos o fazem neste preciso momento.

E aqui estamos nós, num triângulo tranquilo (Açores e Madeira, incluídos) à beira e no mar plantado, sem futuro e governados por um táctico organizado que nos conhece e que usa a psicologia a seu favor. Acima de tudo, António Costa não tem um propósito; uma visão para o país que governa. É um político que pensa de forma superficial. Não é uma figura complexa com várias ideias e visões dentro de si. A história dir-nos-á quem estava certo e quem errou.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR