A cerca de um mês de completar seis anos sentado em S. Bento, António Costa está a ver-se a braços com algo que os arautos do Reino Cor de Rosa julgavam impossível. Nada mais nada menos do que possibilidade de, a curto prazo, vir a ser vítima de uma ordem de despejo assinada pelo eleitorado. Uma hipótese que não o deixa minimamente confortável. Antes pelo contrário é bem capaz de, tal como acontecia com o ancião Céfalo na República de Platão, lhe provocar desconfianças e temores.

Como o poder é afrodisíaco, poucas dúvidas existem de que António Costa tudo fará para se manter agarrado à sua cadeira. Porém, receia que o seu desejo e a disponibilidade para aceitar até ao máximo as pretensões de pelo menos um dos apoiantes da extinta geringonça possam não ser suficientes. Tudo porque o Bloco de Esquerda continua a sonhar alto e quer partilhar as salas do Poder e o PCP, depois de mais um terramoto eleitoral nas autárquicas, se viu obrigado a perceber que a sua participação na viabilização do costismo se transformou num abraço de urso que consome câmaras atrás de câmaras.

Como António Costa só está disponível para negociar à esquerda e as hipóteses de sucesso na aprovação do Orçamento não são famosas, é chegado o tempo das decisões. Aquela fase em que Costa não se sente particularmente à vontade. Basta recordar as indecisões que o atormentaram quando, pela primeira vez, quis tomar conta do Partido Socialista e recuou no último segundo.

Para complicar este cenário de indefinição, o Conselho Nacional do PSD acabou de apontar a porta de saída a Rui Rio e Paulo Rangel chegou-se à frente para vir a assumir a liderança do partido. Uma fonte de preocupação para António Costa. A certeza de que aumentou a probabilidade de o PSD surgir junto da opinião pública – ainda que não da maior parte da opinião publicada – como uma verdadeira alternativa de poder e não como um partido que, em nome de um pretenso interesse nacional, se remete ao silêncio ou se oferece ao sacrifício de servir de muleta socialista.

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Uma situação complexa, tanto mais que a recente vitória socialista nas autárquicas foi acompanhada de derrotas que doeram muito. No Funchal, em Coimbra e, sobretudo na capital do país, os eleitores viraram as costas aos candidatos socialistas. Com a agravante de também noutras cidades o eleitorado socialista dar sinais claros de estar a desmobilizar. Um indício – ou algo mais do que isso – de que um número crescente de portugueses já não esconde o desencanto face à governação socialista. Provavelmente cansados da discrepância entre a realidade apregoada pelo costismo nos meios de comunicação e aquela com que se veem confrontados no dia a dia.

Como é óbvio, não faltará quem, no círculo restrito de António Costa, o tente tranquilizar. Designadamente aqueles que o aconselham a apostar no cenário da queda do Governo e das consequentes eleições antecipadas. Alguns recordarão que as sondagens, mesmo aquelas que o partido não tem encomendado, lhe são altamente favoráveis. Insistirão que se o cenário da demissão for acompanhado de uma campanha de vitimização bem conseguida a maioria absoluta é possível. Basta fazer passar a imagem de que o pobre do primeiro-ministro tudo fez para assegurar o normal funcionamento das instituições e o bem-estar do povo português, mas que os outros partidos se uniram todos contra ele e, logicamente, contra a recuperação do país.

Nada que tranquilize António Costa. A vitimização é um pau de dois bicos. O povo conhece a estória do lobo com pele de cordeiro. Além disso, para mal dos seus pecados – uma forma de dizer – António Costa passou a sofrer de uma nova maleita. Aquela que dá pelo nome de síndrome de Medina. Uma doença de contornos estranhos. Ganhar todas as sondagens e perder a eleição. Uma enfermidade para a qual não há vacina disponível e que, por isso, pode causar a morte do costismo.