Quando António Costa decidiu fazer uma coligação parlamentar com as esquerdas radicais cortou com tradição do seu partido. Todos os anteriores PMs socialistas, Mário Soares, António Guterres e José Sócrates lideraram governos minoritários ou ganharam eleições sem maioria absoluta e nem por isso fizeram alianças à esquerda do PS. Obviamente, as circunstâncias políticas mudaram com a intervenção externa em 2011, e com o resultado eleitoral de 2015, o que em grande medida explica a geringonça. Mas, normalmente, as rupturas políticas são o resultado de circunstâncias e não de estratégias planeadas. A verdade é que foi António Costa que impôs esta ruptura histórica na política portuguesa.

O corte político de Costa enfiou o bloco central nos baús da história política nacional e criou uma divisão maior entre as esquerdas e as direitas. A geringonça transformou a política portuguesa numa competição entre duas coligações políticas, uma entre as esquerdas e a outra entre as direitas. A recusa categórica de um bloco central com o PSD é um dos pontos importantes da entrevista do PM com a Visão, mas nem sequer é o mais relevante. António Costa foi mais longe e disse que pretende manter a coligação com as esquerdas após 2019, reafirmando assim a sua decisão de 2015.

A posição de Costa rejeita dois dos argumentos que as esquerdas usaram para justificar a geringonça em 2015. O PM diz-nos agora que a coligação entre as esquerdas não foi apenas um recurso para lidar com a derrota eleitoral de 2015. Como declarou na dita entrevista, mesmo que o PS ganhe as eleições em 2019 pretende manter a sua aliança com as esquerdas radicais. Nas suas palavras, “em equipa que ganha não se mexe.”

Costa reconheceu ainda, ao contrário do que afirmam muitos dos seus camaradas socialistas, que a geringonça não foi uma reação a uma viragem do PSD de Passos Coelho para a direita. Com Rui Rio, o PSD supostamente “regressou ao centro”, como reconhece o próprio Costa, mas nem isso impede o desejo do PM de repetir a geringonça, nem que seja uma versão mais reduzida apenas com o Bloco. Com um PSD mais centrista, nada impediria o PS de regressar à sua velha tradição de governar em minoria com acordos no Parlamento à esquerda e à direita.

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Mas Costa não só recusa um bloco central como rejeita abandonar os parceiros das esquerdas. A verdade é que a ruptura de Costa de 2015 constitui uma alteração estrutural na política portuguesa e um corte com o passado do PS. Rio deu a Costa uma segunda oportunidade para regressar à posição do PS, anterior a 2015, mas o PM rejeitou-a.

António Costa recusa assim ajudar Rui Rio. Como o PM bem sabe, o posicionamento do partido foi um dos debates centrais durante as eleições internas no PSD. Santana Lopes defendeu que o PSD deveria liderar as direitas. Rui Rio afirmou que o PSD deve estar numa posição equidistante entre o PS e o CDS, no centro do centro. Se Costa quisesse apoiar a estratégia de Rio de regresso ao centro, não afirmaria a sua preferência pela continuidade da geringonça. Deixaria a questão dos entendimentos parlamentares, no caso de uma vitória minoritária do PS em 2019, em aberto. E essa abertura não é incompatível com a recusa de um governo de bloco central. Afirmando a sua intenção para continuar aliado às esquerdas, Costa deixou Rio a falar sozinho e mais vulnerável perante os seus críticos dentro do PSD. Se Costa quer manter a geringonça, o que ganha o PSD com uma aproximação ao governo?

Mas, ao contrário do PM, Rui Rio está a ajudar António Costa. Percebe-se que Costa goste de um PSD envergonhado em relação à sua orientação política. Um PSD disponível para acordos com o governo socialista modera o PS, apesar da sua aliança com partidos radicais. Costa tem assim o melhor dos dois mundos. Uma aliança com as esquerdas para governar e a ajuda do líder do PSD para aparecer com uma imagem de moderação perante os portugueses. Como mostrou a entrevista de Costa à Visão, o PM não está disponível para regressar à política anterior a 2015. Mas Rio continua a olhar para a política nacional como se estivesse em 2014.