A prova de que, graças ao PS, o país virou definitivamente a página da austeridade está no caso da empresa do marido da Ministra da Coesão Territorial. Em 2013, no auge da troika, Pedro Abrunhosa lançou uma canção que se tornou no hino da revolta face à opressão financeira que obrigou tantos portugueses a procurarem emprego fora de Portugal. “Para os braços da minha mãe” era uma lamúria pungente sobre emigrantes na Europa que sonham cair nos braços de sua mãe.

Passada uma década, continuamos a ser embalados por Abrunhosa, mas desta feita não há cá miserabilismos. Agora a história é sobre fundos de sonho da Europa a caírem nos braços do seu marido. Não há dúvidas que o PS mudou o país: continua a recorrer-se à Europa para sustento, continua a haver relações familiares metidas ao barulho, só que desta vez é tudo muito alegre.

Ontem, a ministra Ana Abrunhosa veio defender-se, a si e ao seu marido, das acusações de favorecimento ilícito na atribuição de fundos comunitários. Diz que pediu pareceres à Direção de Serviços Jurídicos, Auditoria e Inspeção da Presidência do Conselho de Ministros (e, como se sabe, a Presidência do Conselho de Ministros é insuspeita) que não levantou qualquer questão de incompatibilidade; e ao Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República que também declarou não haver problema, uma vez que a lei está mal feita e não prevê que possa haver problemas. Ou seja, Abrunhosa fez o suficiente para garantir que não havia rabos de palha. Teve sorte, pois podia ter calhado consultar entidades mais rigorosas, com um escrutínio mais apertado nestas coisas promiscuidade entre participantes e organizadores de concursos. Por exemplo, se tivesse solicitado um parecer ao Lidl, ficava a saber que, segundo o regulamento do concurso  Casas Lidl, “não serão admitidos ao Concurso, sócios, administradores, empregados e respetivos cônjuges e familiares da Promotora e entidade gestora do Concurso (…) Não serão igualmente admitidos a participar todos aqueles que se encontrem em condições de beneficiar ilegitimamente de informação privilegiada e não pública, relacionada com o passatempo (…). Ana Abrunhosa deve fazer compras numa mercearia de bairro, ou assim.

(Enfim, acho ridículo um supermercado ser tão escrupuloso com uma tômbola cheia de talões de compra, mas depois estar dois ou três dias para repor o iogurte proteico com sabor a maracujá, obrigando-me a optar pelo mais sensaborão morango. É o retalho que temos. Dediquem-se mas é à vossa área de negócios, pá. Sejam mais como o Estado português e relaxem na concessão de benefícios).

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Entretanto, à sua maneira, o marido de Ana Abrunhosa também se quis certificar que esta atribuição de milhares de euros nunca terá a sua legalidade posta em causa. Porém, para tal, não se limitou a pedir meros pareceres consultivos. Foi mais longe e assegurou a única garantia de que este projecto nunca será acusado de corrupção: um sócio que já foi condenado por corrupção.

Zhu Xiaodong, sócio de António Trigueiros de Aragão na Thermalvet, a empresa que recebeu os fundos comunitários, foi condenado em Junho de 2020 por ter subornado o presidente do Instituto dos Registos e Notariado, num caso relacionado com vistos gold. Ora, se em Portugal é raríssimo alguém ser condenado por corrupção, a hipótese de alguém ser condenado por corrupção duas vezes é infinitesimal. No fundo, é como viajar de avião com o sobrevivente de um acidente aéreo. As probabilidades da mesma pessoa ter dois desastres de avião são residuais. Zhu Xiaodong é um sócio talismã. A CMTV até podia ter imagens de Ana Abrunhosa a entregar ao marido uma mala de dinheiro com a bandeira da UE, enquanto dizia: “Toma lá o pecúlio angariado pela minha influência junto dos decisores, meu amor”, que não lhes aconteceria nada nos tribunais portugueses. O sócio chinês funciona como uma figa. Afasta o mau olhado, mas também o bom olhado, o assim-assim olhado, todos os tipos intermédios de olhado, porque é inverosímil que alguém deite olhos ao corrupto uma segunda vez.

Infelizmente, todo o charivari à volta da atribuição dos fundos acaba por ofuscar o mais importante, que é a pujante área de negócio a que a Thermalvet se dedica. É pena que a “conceção e desenvolvimento de produtos de uso veterinário com água termal” esteja a ser ignorada, quando devia ser o tema central das notícias. Tenho um bulldog francês cheio de peladas que só pára de se coçar quando lhe despejo pelo lombo duas ou três garrafas de Águas da Pedras.

É uma sorte Portugal contar com a Thermalvet, empresa que junta a experiência de António Trigueiros de Aragão na gestão de termas, ao traquejo do povo chinês na utilização de água em cães. Normalmente em marinadas, desta vez em tratamentos. O sucesso está garantido. Já era tempo de termos uma marca de referência na veterinária termal. Mais valiosa que veterinária com água termal, só veterinária com argilas terapêuticas. É que, se há alguns cães que fogem do banho, nunca vi nenhum que não gostasse de chafurdar na lama. Aliás, vistos agora, os 133 mil euros são uma ninharia. É um escândalo que o Estado aposte tão pouco na fileira das termas caninas. Já se percebeu que, neste caso, há interesses escondidos em acção. Mas não são os da ministra ou do marido. Pelo contrário. Quem beneficia com o descrédito dos produtos de uso veterinário com água termal? Só pode ser o poderoso lóbi dos produtos de uso veterinário com água da torneira.