A ausência de uma medida, de uma ideia e de qualquer menção ao desporto no Plano de Estabilização Económica e Social traduz uma tendência há muito evidente para os atores do sistema desportivo nacional e expressa pelo atleta com mais presenças em Jogos Olímpicos e Presidente da Comissão de Atletas Olímpicos: o desporto não tem peso político no Governo.

Estas palavras de João Rodrigues sobre a vacuidade política em que o sector navega há longo tempo projetam-se para além do sistema político, como agora se constata no Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030 (de António Costa Silva), pois também para os “sábios” e académicos a quem o Governo encomendou este plano, o desporto não é considerado como um instrumento de desenvolvimento económico e social do país.

A política e as decisões políticas tratam de ouvir, analisar, fazer sínteses e tomar opções no propósito de implementar medidas para corrigir problemas e enfrentar ameaças. Ora, durante esta crise pandémica é tão escusado sublinhar os problemas e ameaças sem precedentes que o desporto português enferma – desde os seus níveis mais elementares até ao alto rendimento -, quanto a ausência de respostas políticas tangíveis para os mitigar, quer naqueles documentos, quer perante a diversidade de propostas apresentadas por várias organizações desportivas nacionais a esse propósito.

Ao invés de um sinal político categórico, ou de um gesto simbólico mas prenhe de significado, que seriam as principais figuras do Estado marcarem presença junto dos atletas que servem o país e projetam a sua imagem internacional ao mais alto nível, tal como fizeram na retoma da atividade cultural, o país assistiu, incrédulo, a uma manobra de propaganda, tendo como pano de fundo uma importante conquista desportiva, que nem o decoro no meio de uma crise sem precedentes foi capaz de travar.

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A isso se junta a imprecisão das autoridades de saúde pública no fornecimento de orientações sobre o regresso à atividade desportiva, com as consequências que tal acarreta na confiança dos promotores de eventos e gestores de espaços desportivos, mormente os municípios, que detêm uma parte relevante do parque desportivo nacional, em acolherem competições e abrirem as suas instalações à prática desportiva.

Tudo isto agrava ainda mais a agonia do tecido desportivo de base que alimenta os campeões de amanhã e tem a sua subsistência em risco com a debandada de praticantes, técnicos e dirigentes de clubes e coletividades que, por força do seu escopo não lucrativo e estrutura associativa, não dispõem de reservas substanciais para subsistirem neste cenário, ameaçando seriamente a sua existência e afundando o país na cauda do desenvolvimento desportivo na Europa.

Mas é também a economia local e regional, o turismo e os media – em particular os meios de comunicação social desportivos – que ficam privados de rendimentos e com a sua sustentabilidade económica em causa, quando se deixa a definhar fora dos planos de orientação estratégica para a recuperação e estabilização socioeconómica do país, um sector que representa cerca de 2% do PIB da União Europeia, em total arrepio daquelas que foram as recomendações das instituições europeias e internacionais, com as Nações Unidas à cabeça, nomeadamente quando recentemente, sob a sua égide, 118 Estados-membros, entre os quais Portugal, aprovaram uma declaração conjunta sobre o impacto da Covid-19 no desporto e os seus efeitos no desenvolvimento social, nos seguintes termos:

Apelamos assim a todos os Estados para incluírem o desporto e a atividade física nos seus planos de recuperação pós COVID-19 e a integrar o desporto e a atividade física nas estratégias nacionais para o desenvolvimento sustentável.

É este o cartão-de-visita que o país tem para mostrar quando assumir, no primeiro semestre de 2021, a presidência da União Europeia, num momento em que a presidência croata e, no presente semestre a presidência alemã, em conjunto com o movimento olímpico e desportivo, têm envidado esforços para que a natureza associativa do tecido desportivo não prejudique a sua elegibilidade aos fundos europeus previstos no plano de recuperação da UE e o desporto figure em plano de igualdade com outras áreas vulneráveis ao impacto da crise?

Trata-se de uma agenda, onde a presidência portuguesa terá a responsabilidade de conduzir e aprovar o Plano da União Europeia para o Desporto para além de 2020, com o legado de, na última presidência, em 2007, o País ter tido um contributo relevante para a aprovação do Livro Branco sobre o Desporto.

O movimento desportivo, mais do que nunca, não deixou de estar à altura destas circunstâncias únicas e de enorme risco para a sua subsistência. Resistindo e cerrando fileiras, soube pôr de lado as singularidades que o distinguem para, num momento histórico, reunir as três entidades de cúpula em conjunto com as federações desportivas nacionais e unanimemente aprovar uma moção estratégica.

Mais do que um caderno reivindicativo, ou de um documento magno de reforma do desporto português, representa tão só um horizonte de esperança que nos mobiliza a travar esta prova decisiva, dignificando o desporto de acordo com o seu valor social e económico para o desenvolvimento do país – tão aludido no discurso, quanto arredado da prática política – através de medidas céleres e justas, que há muito se impõem e as circunstâncias atuais tornam absolutamente imprescindíveis e inadiáveis.