Silvio Berlusconi, antigo primeiro-ministro italiano e grande amigo do Presidente russo, decidiu visitar a Crimeia, península ucraniana ocupada por Moscovo, e encontrar-se com Vladimir Putin.

Durante a visita, os dois compinchas decidiram passear pelas ruas de Ialta e conversar com os transeuntes. Foi durante o passeio que Putin fez uma importante declaração ao propôr a criação de um “centro-histórico-cultural do Cristianismo” perto da reserva natural “Khersones-Tavritchesky”.

“Temos uma ideia. Ontem conversei com o senhor Berlusconi e disse que é preciso fundar perto daqui, para não incomodar Sevastopol, um centro histórico-cultural do Cristianismo”, declarou Putin, sublinhando que o centro seria “não só da Ortodoxia, mas de todas as correntes do Cristianismo”, como informou a agência TASS. Segundo o dirigente russo, “é preciso reunirmo-nos e pensar como elaborar o projecto e realizá-lo”.

Silvio Berlusconi manifestou o seu apoio à criação do centro e que estava pronto a enviar arquitectos e plantas italianas.

Já se sabia que Vladimir Putin é um fervoroso apoiante do “mundo russo”, teoria que tem servido para apoiar as intervenções militares russas nos países vizinhos, mas, afinal, ele parece pretender também à direcção do “processo de reconciliação de todas as correntes cristãs”.

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A cidade de Kherson não foi escolhida por acaso, pois foi aí, no ano de 988, que o príncipe de Kiev Vladimir se converteu ao Cristianismo, foi baptizado e casou-se com uma princesa bizantina.

Pelos vistos, o actual Vladimir tenciona, além de tentar mostrar que a Crimeia é o berço da Rússia e que a sua anexação em 2014 foi legítima, transformar o seu país numa “Terceira Roma”. Não é uma ideia nova na história russa, pois esta pretensão universalista de Moscovo foi justificada pelo monge Filoteu de Pskov em algumas cartas dirigidas ao czar Vassili III em 1510: “digamos algumas palavras sobre o atual reinado glorioso do Nosso Senhor mais iluminado e mais poderoso, que, em toda a Terra, é o único czar dos cristãos e o soberano de todos os tronos Divinos, da santa igreja apostólica universal que nasceu no lugar da de Roma e de Constantinopla e que existe na cidade por Deus salva de Moscovo, a igreja da santa e gloriosa Assunção da Virgem Mãe de Deus, que só ela no universo reluz com maior beleza do que o Sol. Fica a saber, abençoado por Deus e por Cristo, que todos os reinos cristãos chegaram ao fim e juntaram-se num único reino do Nosso Senhor, segundo os livros dos profetas, o reino romano: porque duas Romas caíram, a terceira está de pé e a quarta não virá”.

Difícil é imaginar como é que Vladimir Putin tenciona criar um “centro do Cristianismo” na Crimeia numa altura em que a Igreja Ortodoxa Russa não está muito aberta ao diálogo com os católicos, vendo nestes últimos fortes concorrentes na luta pelas almas. Como é sabido, não parece estar para breve um encontro entre Kirill I com o Papa Francisco, a não ser que o Kremlin pressione o Patriarca de Moscovo e de Toda a Rússia, o que não parece muito provável.

A ideia de Putin é também dirigida ao mundo exterior, principalmente aos europeus, constituindo um apelo aos cristãos para que se unam na defesa dos seus princípios no Velho Continente. Só é difícil imaginar à frente deste movimento ecuménico pessoas com o calibre moral de Silvio Berlusconi.

Nesse sentido, parece-me mais realista e convincente a proposta feita ao actor norte-americano Steven Segal  para ser um cartaz da campanha de luta contra o alcoolismo na Rússia. Pelo menos ele não consome álcool.