O hino nacional tornou-se objeto de controvérsia. É uma discussão legítima. Mas quero sobretudo pegar no refrão deste cântico patriótico e pedir para levarmos a sério o seu apelo às armas. Temos de enviar mais e melhores armas para a Ucrânia. Temos de continuar a apoiar militarmente o país nos próximos anos. Face a uma Rússia com uma postura imperialista cada vez mais violentamente genocida, a admirável determinação da Ucrânia em manter-se livre é uma barreira indispensável na defesa do resto Europa. Face a Putin só uma paz armada é uma possibilidade realista.

Um novo hino de paz?

Pediram a Dino d’Santiago para cantar num debate do Expresso. Ele cantou e lançou o debate sobre uma canção, o nosso hino. Não me ocorre momento mais oportuno para lançar tal debate, nem quem tenha mais legitimidade para o fazer de que um dos nossos músicos mais talentosos.

Mas faz sentido mudar o hino nacional, ele não é uma parte ancestral do nosso património? Lamento desiludir, mas o nosso hino não é propriamente um monumento musical de grande antiguidade. Durante a maior parte da história não tivemos hino. Em Portugal, como por quase todo o lado, os hinos são inovações nacionalistas. A Portuguesa só é hino nacional desde 1911, com a Primeira República. Até aí, durante grande parte do século XIX, tivemos o Hino da Carta, símbolo do nosso liberalismo nacionalista e monárquico. E sendo eu crítico do delírio da moda que vê colonialismo em todo o lado, no caso d’A Portuguesa a ligação colonial é clara. Tornou-se popular como canto patriótico durante a crise do Ultimatum de 1890, mobilizando portugueses indignados por a Grã-Bretanha não os ter deixado conquistar todo o território em África que queriam.

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Vamos então mudar de hino? Se olharmos para a letra da maioria dos hinos dos cinco continentes, na verdade, predominam os apelos identitários, belicistas e nacionalistas algo antiquados. A exceção são os hinos monárquicos, sobrevivências de uma época pré-nacionalismo, como o britânico God Save the King. E se olharmos para o Mundo atual não me parece, infelizmente, que possamos dispensar, para já, o apelo às armas.

Armas para a Ucrânia

Mantendo o hino, que o levemos a sério. Precisamos de armas para dissuadir ameaças num Mundo cada vez mais conflituoso e perigoso. Portugal precisa de continuar a reforçar o nosso investimento em defesa na Europa pelo menos até aos 2% do PIB, desde logo para ser levado a sério numa Aliança Atlântica vital para a nossa segurança. E temos de continuar a armar a Ucrânia.

Não há nada de mais importante, hoje, que uma eficaz ajuda militar ocidental à Ucrânia. Este país martirizado, mas determinado a manter-se livre, está na linha da frente do combate ao sanguinário imperialismo russo desde o início da sangrenta invasão de fevereiro de 2022. Putin e o seu recauchutado imperialismo só percebem a linguagem da força. A Aliança Atlântica até tem sido muito disciplinada desde o início, ignorando o belicismo grotesco e genocida de muita propaganda russa, com frequentes ameaças de ataques atómicos contra alvos na Europa, visando manter limitada esta guerra, evitando o risco duma escalada para um choque armado direto com uma potência nuclear como a Rússia. Mas só uma Ucrânia fortemente armada terá uma possibilidade minimamente realista de recuperar o território perdido neste ano de guerra, e de derrotar ou dissuadir futuras agressões russas. Até Henry Kissinger, que começou por defender prudência e negociações precoces, já o reconheceu.

Pode-se discutir que tipo de armamento será o mais adequado. É, por exemplo, possível defender que os tanques norte-americanos Abrams, que só funcionam com combustível especial, têm uma logística demasiado pesada para serem úteis à Ucrânia nesta fase. Mas recordo que o fornecimento de todo o tipo de armas pesadas e avançadas gerou sempre um coro de céticos que se tem revelado errado. Devia a Ucrânia contentar-se com carros T72 do tempo soviético? Mas estes últimos não são invulneráveis, vão precisar de ser reparados e substituídos. Quem o vai fazer, quem vai continuar a alimentá-los de munições de tipo soviético? Será, neste contexto, um erro a Ucrânia estar empenhada em obter 300 tanques de fabrico ocidental, nomeadamente o tipo mais abundante na Europa, os Leopard?

A paciência com os cálculos políticos internos em Berlim, e com a disparatada doutrina alemã de fornecer apenas armas “defensivas” começa a esgotar-se. Espero que o chanceler Scholtz – que tem, no mínimo, de autorizar a sua reexportação para a Ucrânia – perceba que chegou a altura de mudar de postura. E espero que Portugal faça parte da solução, com um real esforço para, dentro das suas possibilidades e sem sacrificar completamente capacidades, fornecer mais veículos blindados M113 e alguns tanques Leopard à Ucrânia. Todos temos de fazer a nossa parte.

Os ucranianos podem estar errados. Sobretudo, Putin pode sempre voltar a escalar de forma perigosa. Mas as primeiras e principais vítimas de qualquer escalada russa serão os ucranianos, e, com o que sofreram e fizeram até ao momento, eles conquistaram o direito de pedir as armas que consideram necessárias para melhor se defenderem.

Este é um momento-chave da guerra. Estas armas para a Ucrânia não são caridade. Elas são um investimento numa Europa em paz e em liberdade. Se a agressão russa for derrotada talvez possamos, daqui a alguns anos, voltar a discutir a questão do hino, em tempos mais pacíficos, que não tornem tão necessário como hoje o apelo às armas.