Foi recentemente aprovada na Assembleia da República uma lei que vai obrigar as empresas cotadas em bolsa a ter mais mulheres nos seus conselhos de administração (e também para os órgãos de fiscalização). Em 2018, cada um dos sexos tem de ter uma representação mínima de 20% nos Conselhos de Administração. Esta fracção mínima subirá para um terço em 2020.

Esta lei não é muito mais do que uma transposição de uma proposta de directiva comunitária (já aprovada pelo Parlamento Europeu) para o direito português. Ainda sim, gerou alguma celeuma, havendo bastantes pessoas a queixarem-se de que as quotas mínimas obrigatórias são uma menorização das mulheres que serão promovidas não pelo seu mérito mas apenas pelo seu sexo. É um argumento importante. A ser correcto, estaremos a forçar a promoção (mulheres) incompetentes prejudicando (homens) competentes. Além da injustiça que tal representaria para os competentes afastados, a promoção de incompetentes para importantes cargos de administração levaria a lideranças piores, diminuindo o valor das empresas. Sendo uma objecção importante, vale a pena estudá-la. Dado que as quotas mínimas não são uma invenção de agora, já existem dados que nos permitem passar da crença para o conhecimento.

As primeiras aplicações deste tipo de regras foram na política. Um exemplo já antigo, mas que só recentemente foi estudado, aconteceu na Suécia, onde o Partido Social Democrata impôs em 1993 uma quota feminina (e masculina) de 50% nas suas listas. Quatro economistas — Timothy Besley, Olle Folke, Torsten Persson, Johanna Rickne — estudaram os efeitos desta medida. O principal desafio de um estudo destes é como medir a competência de cada político. Felizmente os autores tiveram acesso a um conjunto de dados muito rico que incluía informação sobre idade, experiência e educação de cada candidato (e candidata) e também os seus rendimentos, permitindo assim estimar as capacidades individuais.

A que resultado chegaram? Surpreendentemente, ou talvez não, a conclusão foi de que a imposição de quotas levou a um aumento considerável da qualidade dos políticos eleitos. Essa melhoria deveu-se essencialmente ao facto de políticos (homens) medíocres terem sido substituídos por mulheres mais competentes. Ou seja, ao contrário do temido por muitos, as quotas, em vez de promoverem a incompetência, tiveram como principal efeito afastá-la. Foi “a crise do homem medíocre”. O melhor trabalho que conheço é o referido, mas também há estudos feitos para outros países (Itália, por exemplo) que chegam essencialmente às mesmas conclusões.

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Bem, poder-se-á sempre argumentar que o mundo da política é diferente do mundo empresarial. Afinal, partidos e empresas têm objectivos diferentes, os mecanismos de promoção são também diferentes, tal como os critérios de sucesso. Certamente que empresas preocupadas em maximizar as suas rendibilidades terão mais preocupação em promover as pessoas certas. No caso português, as pessoas certas para os conselhos de administração são 88% homens e 12% mulheres. Obviamente, não há ainda dados para Portugal que nos permitam estimar o efeito das quotas, mas existem dados para a Noruega.

O caso da Noruega é até mais impressivo do que o português. Em 2005, foi aprovada uma quota mínima de 40% para empresas com capitais , ou seja, bastante mais alta do que o aprovado em Portugal. Ainda por cima, em 2001, a percentagem de mulheres nos conselhos de Administração das empresas cotadas em bolsa era de apenas 5% (ou seja, ainda menor do que em Portugal, em 2017). Assim, se de facto as quotas tiverem como principal efeito a promoção de mulheres incompetentes, seja à custa de homens competentes ou à custa de ter alargar os conselhos de administração, será de esperar que esses efeitos sejam visíveis na Noruega. Afinal, são mais de 10 anos de dados. E que nos dizem os trabalhos feitos sobre este assunto?

Em 2011, Knut Nygaard, na sua tese de doutoramento, concluiu que a seguir à imposição das quotas os lucros das empresas afectadas aumentaram significativamente. Em sinal contrário, Kenneth Ahern e Amy Dittmar, em 2012, concluem precisamente o oposto, que as quotas levaram a uma redução do valor das empresas afectadas.

Um trabalho mais recente, da autoria de Espen Eckboy, Knut Nygaardz e Karin Thorburn, ainda não publicado por uma revista científica, veio trazer alguma luz sobre aqueles resultados tão divergentes. Relativamente ao primeiro trabalho, conseguiu mostrar que o aumento dos lucros se deveu a outros factores que nada tinham a ver com a imposição das quotas. Relativamente ao segundo trabalho, mostraram que o estimado efeito negativo desaparecia uma vez corrigido um subtil erro econométrico que lhes tinha escapado. (Vale a pena aqui realçar o fairplay de Ahern e Dittmar, que, como cientistas sérios, forneceram os seus dados para que a equipa de Espen Eckboy pudesse replicar os resultados.)

Mas os autores foram ainda mais longe no seu estudo e fizeram uma análise bastante cuidadosa procurando ter grupos de controlo. Numa das suas análises, compararam a performance das empresas cotadas em bolsa (e, portanto, afectadas pela nova lei) com a performance de empresas não cotadas em bolsa (e portanto não afectadas pela lei). Para que as empresas fossem comparáveis, entre as não-cotadas, consideraram apenas as maiores. Ficaram assim com dois conjuntos de empresas: um grupo afectado pela lei e outro não. Outra abordagem que consideraram foi a de olhar apenas para as empresas afectadas pela lei, comparando as que foram mais atingidas (as que tinham menos mulheres) com as menos atingidas (aquelas que de início tinham mais mulheres). Assim, puderam comparar a evolução da rendibilidade de empresas atingidas pela lei com a evolução de empresas não afectadas pela lei (ou que o foram em menor medida).

As conclusões a que chegaram são fáceis de descrever: não aconteceu nada. As empresas não se tornaram nem mais nem menos rendíveis com a lei. Ou seja, a ideia de que os homens competentes iriam ser substituídos por mulheres incompetentes não se confirmou. O principal efeito foi o de substituir os homens menos experientes por mulheres nos Conselhos de Administração. Adicionalmente, fazendo mais alguns testes, puderam verificar que não houve especiais dificuldades de recrutamento de mulheres competentes. Elas estavam lá, profissionalmente preparadas para serem promovidas. Simplesmente, não o eram. As quotas vieram alterar essa realidade.

Há, certamente, argumentos válidos contra a imposição de quotas de género nos Conselhos de Administração de empresas privadas. Poder-se-á, por exemplo, argumentar que é uma violação do direito dos accionistas contratarem quem querem. Mas, relativamente ao argumento mais comum da meritocracia, simplesmente não parece haver dados que o apoiem.