Contra as expectativas decorrentes das sondagens que o colocavam à porta da maioria absoluta, a atual campanha para as legislativas do próximo dia 6 de outubro está a revelar-se um calvário para António Costa.

Primeiro, na antecâmara da campanha, aconteceu a demissão do Secretário de Estado da Proteção Civil, depois de ter sido constituído arguido no processo das famigeradas golas anti fumo e dos contratos celebrados no âmbito do programa «Aldeia Segura». Uma demissão que, tendo em conta o que a Constituição estipula no que concerne à responsabilidade, também chamuscou outros membros do executivo porque o Secretário de Estado é responsável perante o Primeiro-Ministro e o respetivo Ministro – art.º 191, n.º 3.

Depois, vieram os debates televisivos e radiofónicos nos quais as prestações de António Costa variaram entre o suficiente e o fraco ou sofrível. Na realidade, os eleitores não tiveram dificuldade em perceber que o líder do principal partido da oposição, Rui Rio, apesar de todas as críticas que tem recebido, conhece os principais dossiers da governação tão bem como o atual Primeiro-Ministro. Com a vantagem de ser mais claro na apresentação das propostas que tem para os problemas do país.

Além disso, um dos apoiantes da geringonça, o Bloco de Esquerda, consciente de que está a disputar uma parte do eleitorado diretamente com o PS, sentiu-se no direito de desautorizar António Costa relativamente ao processo que o levou a São Bento. Acusou-o de pretender reescrever a História. Isto sem contar que os quadros bloquistas, que não largam a calculadora, deitaram por terra as contas das promessas eleitorais do PS.

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As sondagens passaram a mostrar que a situação estava a degradar-se e pior ficou quando António Costa se viu obrigado a descer ao país. Os contactos com o povo real mostraram aquilo que já se sabia, ou seja, que a política de proximidade não é uma caraterística natural do Secretário-Geral do PS. António Costa não é Mário Soares e o sorriso não chega para contagiar aqueles de quem se abeira.

O carismático líder histórico do PS sentia-se à-vontade entre a população e sabia usar esse dom sempre que julgava ameaçada a sua popularidade ou peso político. Daí a invenção das «Presidências Abertas». Para mágoa do partido do Largo do Rato, o carisma não decorre da função. É pessoal e intransmissível. Por isso, durante as ações da atual campanha, o aparelho do partido, malgrado as desavenças decorrentes da elaboração das listas de candidatos ao próximo ato eleitoral, se vê obrigado a tentar disfarçar a falta de espontaneidade costista. Afinal, o especialista na «política dos afetos» não mora em São Bento, mas no Palácio de Belém.

Os elementos elencados já seriam suficientes para tirar o sono ao Primeiro-Ministro. Só que uma mão cheia de males nunca vem só. Por isso, a divulgação das mais de 500 páginas do despacho do Ministério Público sobre as armas roubadas e «recuperadas» em Tancos deu razão à Lei de Murphy. A acusação formal de quatro crimes que recaiu sobre o ex-Ministro da Defesa, tal como no caso da demissão do Secretário de Estado da Proteção Civil, acarreta consequências para a imagem pública da geringonça.

No meio de tantos percalços, a inesperada dor de costas, descontando o incómodo físico que se lamenta, até pode funcionar como adjuvante para António Costa. O conselho médico que o vai obrigar a uma gestão muito criteriosa dos contactos de rua pode constituir solução para travar o plano inclinado descendente em que a sua imagem tinha mergulhado. Uma forma de dizer que, tal como no parto, há dores que, passado o sofrimento, valem a pena.

Se as costas ajudaram a salvar António Costa e, em caso afirmativo, qual a dimensão desse salvamento, é resposta que cabe aos portugueses no próximo domingo.