Esta semana José Sócrates veio a público tecer duras críticas políticas a António Costa. E, por muito que isso custe a quem odeia Sócrates ou apoia António Costa, Sócrates tem razão. Antes de aprofundar as razões da minha concordância com as críticas de Sócrates à actuação política de Costa, devo ressalvar que me absterei de comentar o renovado apelo por parte de Sócrates a que Costa opine em público sobre o seu processo judicial. Note-se no entanto que, independentemente da opinião que se possa ter sobre o processo judicial que envolve José Sócrates e sobre as críticas deste à falta de apoio público por parte do actual líder do PS, isso em nada invalida a pertinência das críticas políticas que o mesmo Sócrates dirigiu esta semana ao actual primeiro-ministro.

Entre as duas críticas políticas formuladas, a mais circunstancial dirigiu-se à desblindagem dos estatutos das instituições financeiras, um diploma que foi amplamente percepcionado como uma intervenção no caso particular do BPI tendo por alvo os interesses e a posição negocial de Isabel dos Santos. Sócrates não poupou palavras e classificou a decisão de Costa como “um erro político” e “uma precipitação”. Depois de ter assumido um protagonismo que não lhe cabia no negócio, António Costa não sairá bem deste processo e é sintomático que um seu camarada de partido com a experiência governativa de Sócrates tenha vindo a público criticar a decisão nos termos em que o fez.

Mas a crítica com maior impacto e significado político foi, sem margem para dúvidas, a sintetizada na devastadora (para Costa) frase: “Eu nunca seria primeiro-ministro sem ter ganho as eleições”. Além de colar o rótulo de derrotado eleitoral a António Costa, Sócrates distancia-se claramente da “geringonça” num momento crucial. Considerando o apurado faro político de Sócrates, esta é uma posição que não deixará indiferente ninguém no PS.

Com uma forte probabilidade de graves problemas orçamentais e económicos no horizonte, Sócrates dá um sinal de cepticismo relativamente à solução encontrada por Costa para chegar ao poder depois de uma pesada derrota eleitoral do PS. Ao mesmo tempo, claro, Sócrates declara o seu apoio ao Governo de António Costa – onde tem alguns dos seus “melhores amigos políticos” – mas essa é uma declaração que vale o que vale num momento em que, como salientou Rui Ramos, todos parecem apostados em dar corda a António Costa.

José Sócrates está fragilizado mas mantém intactas as qualidades políticas que fazem com que seja o mais marcante político socialista das últimas duas décadas – tal como Mário Soares o havia sido nas duas décadas anteriores. Ainda demasiado jovem para dar por terminada a sua carreira política e com uma evidente energia e vontade de intervenção política, há que continuar a contar ele. Para o bem e para o mal, José Sócrates é uma das principais figuras de referência da democracia portuguesa e as críticas duras e certeiras dirigidas ao seu camarada António Costa servem também para relembrar que Sócrates continua a ter uma palavra a dizer no futuro do regime que se instalou pós revolução de 25 de Abril de 1974.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR