No mundo anglo-saxónico debatem-se duas visões sobre como avaliar o mérito dos grupos excluídos da riqueza que abunda nessas sociedades entre Michael Sandel, autor de Tirania do mérito – O que é feito do bem comum?, e Alan Wooldridge, autor de Aristocracia do talento – Como a meritocracia fez o mundo moderno. O primeiro quer diminuir algum do peso da meritocracia para ajudar os discriminados, enquanto o segundo contrapõem que tem é de haver ainda mais meritocracia para produzir ainda mais riqueza que chegue aos grupos sem ela.

Este debate americano-britânico espoletado pelo forte legado do racismo segregacionista saxónico acusado de privar populações enormes de partilharem a imensa riqueza existente nos EUA e Reino Unido, portanto sem nada a ver com o Portugal pobre e etnicamente mais homogéneo, foi trazido literalmente para a baila no nosso país num recente comício do PS em Aveiro, ao som de Nel Monteiro a convidar implicitamente Costa para dar lugar ao novo sucessor socrático, cantando, “Azar na praia: como é que eu hei-de me ir embora.

O ministro Pedro Nuno Santos viu uns vídeos no YouTube do americano Sandel, lá longe – num contexto completamente diferente do nosso –, a apelar à redução parcial da importância do mérito para dar mais hipóteses de sucesso a grupos americanos excluídos e a seguir fez um discurso que, ideologicamente, foi um plágio exagerado e descontextualizado de Sandel, apelando à redução e relativização total do mérito e falhando na tradução de afro-americanas por gaspeadeiras.

A esquerda portuguesa lê e reflete pouco sobre os problemas de Portugal, mas importa e copia muito do que as esquerdas americanas e britânicas dizem sobre os problemas deles, muito diferentes dos nossos. Segundo o relatório anual sobre riqueza global do Credit Suisse de 2021, quase 10 % da população americana é milionária (com riqueza acumulada por indivíduo acima de um 1 milhão de dólares) e quase 5% da população do Reino Unido também o é. Juntos estes dois países ricos têm 25 milhões de milionários, cerca de 45% dos milionários do mundo inteiro. A maior parte destes ricos são de origem europeia, em contraste com a grande fatia afro-americana (ou do subcontinente asiático no caso britânico) mais pobre, daí discutir-se muito como corrigir essa disparidade incluindo ajustar alguns critérios de mérito. Ora, em Portugal praticamente não há ricos, pois os nossos milionários são só cerca de 1%, com menos dinheiro e muito mais taxados. Há cá pouca diversidade e ainda menos riqueza para redistribuir.

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O salário médio de um português é de pouco mais de 1000 euros líquidos, enquanto o salário médio no grupo americano mais desfavorecido, os afro-americanos, tomando em conta várias fontes, ronda os 2500 euros líquidos (ver também aqui). Estes últimos são pobres em relação ao resto da população americana, mas menos pobres que quase todos os portugueses. Por isso os EUA são uma nação de imigrantes enquanto Portugal o é de emigrantes.

No entanto, ignorando a falta de espaço de manobra para redistribuição de uma riqueza que não existe, pois ainda não foi criada precisamente por o PS não  incentivar o mérito, Pedro Nuno quer confiscar cá, ainda com mais impostos, os altamente qualificados já pobres, para dar aos não qualificados também pobres. Quer puxar assim o salário médio para o valor líquido do mínimo, desincentivado o mérito e a busca de riqueza numa sociedade que assim se torna pobre, sem qualificações e comunista.

Parafraseamos rapidamente o conteúdo do discurso de Santos em Aveiro dando um exemplo bem português para que todos entendam o quão alienado da realidade portuguesa e ainda mais radical de esquerda que o velho PS costista é o novo PS nunista: será que Cristiano Ronaldo deve ganhar tão pouco como um apanha bolas porque o esforço e o mérito dele são para desconsiderar e o que realmente conta é que ambos contribuem para o bem comum e estão no jogo todos juntos? A resposta radical de Pedro Nuno Santos é um entusiástico sim. Para Santos o mérito e os resultados não são importantes, logo apanhar bolas, cozer sapatos ou governar como o PS governa é tudo o mesmo. O PS é agora oficialmente contra a meritocracia (já o era antes, mas não assumia). Não admira que assim sejamos todos cada vez mais pobres. Incluindo as gaspeadeiras (senhoras que cozem sapatos em nome das quais Santos fez demagogia em Aveiro), a sofrerem por terem governantes que não dão valor ao mérito, a esbanjarem impostos que deveriam ir para apoios a elas em negócios ruinosos como a TAP.

A meritocracia é um pilar fundamental na base da riqueza dos países mais prósperos do mundo ocidental, onde os EUA estão e Portugal não. Nesses países, aqueles que mais estudaram e/ou mais trabalharam para serem cada vez melhores profissionais e terem melhores resultados em relação à competição na sua área são recompensados pela sociedade, obtendo riqueza e poder para eles e para a sociedade em geral.

Como em Portugal acontece muitas vezes o contrário da meritocracia e como chegam ao governo e às empresas públicas, ficando ricos e andando de Porsche, indivíduos formados nas juventudes partidárias sem provas dadas no mundo académico ou profissional, ou seja sem mérito, não é de espantar que Pedro Nuno Santos seja contra o mérito (além de não saber entender o debate entre Sandel e Wooldridge).