Na última edição do Expresso, Catarina Martins, num artigo que assina, intitulado “A cultura é cara”, afirma coisas opostas: que “uma maioria de deputados à esquerda vai levantar-se para aprovar o orçamento do Estado” (o texto foi escrito antes da aprovação do OE 2018, na passada segunda-feira); e que “o orçamento do Ministério da Cultura é vergonhosamente baixo”.

Relembro a composição da “maioria de deputados à esquerda”: Partido Socialista: 86 deputados; Bloco de Esquerda: 19 deputados; PCP: 15 deputados; PEV: 2 deputados. A Assembleia da República é composta por 230 deputados. A “maioria de deputados à esquerda” – 122, sem o BE, passa a “minoria de deputados à esquerda” – 103. O Bloco de Esquerda tem o poder de manter ou fazer cair o Governo (como o PCP). Tal significa que, em momento algum, seja o BE, seja o PCP, se podem colocar fora das opções tomadas em sede de Orçamento do Estado (OE), conjuntamente com o PS, nesta legislatura.

Quando Catarina Martins diz que “o orçamento do Ministério da Cultura é vergonhosamente baixo”, ela diz que se levantou, no Parlamento, e que, com todos os deputados do BE e da “maioria dos deputados à esquerda”, aprovou um “orçamento do Ministério da Cultura vergonhosamente baixo”. Podia ter exigido, para a aprovação do OE, um orçamento do Ministério da Cultura mais elevado. Não há maneira de escapar a esta responsabilidade e é bom que isso fique claro.

Catarina Martins tem um percurso de vida muito ligado à atividade cultural, conhece bem a área da Cultura. Por maioria de razão, não pode enjeitar as suas opções e do BE na aprovação do orçamento da Cultura.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Em 2016, o primeiro ano de OE do atual Governo, o orçamento da Cultura…baixou em relação a 2015. Sim, depois de quatro anos de protestos clamorosos contra um orçamento baixo da Cultura enquanto Oposição, o PS, o BE e o PCP… diminuiram o orçamento da Cultura (para efeito desta contabilidade, não se inclui o orçamento da RTP, que a partir de 2016 passou a estar incluído no Ministério da Cultura e que antes não estava). E os aumentos nos orçamentos de 2017 e de 2018 são, no essencial, nominais: ou seja, se a Cultura tem inscrito nos OEs de 2017 e 2018 um pouco mais de dinheiro, na prática, parte importante dos aumentos é absorvida pelas “cativações” (não se pode gastar esse dinheiro) ou corresponde a previsão de receitas próprias (e não a verbas do OE). Não há, verdadeiramente, aumento nos OEs da Cultura com a atual maioria parlamentar.

Sejamos justos: apesar de se verificar, ao longo da democracia portuguesa, um aumento orçamental na área das políticas públicas da Cultura – em comparação com o período do Estado Novo – esse aumento não corresponde às necessidades do dispositivo público de Cultura, nem às expetativas dos agentes culturais. A responsabilidade desta situação é de todos os partidos políticos. Até 2015, o PCP e o Bloco de Esquerda eram partidos de protesto, não tinham responsabilidade governativa. Mas passaram a tê-la, ao entrar no chamado “arco de governação” – sem eles, o PS não pode governar. Só com eles é possível fazer política orçamental neste governo.

Deixou de haver inocentes na política portuguesa.

Catarina Martins pode verter lágrimas sobre o orçamento da Cultura. Mas ela é tão responsável por ele como o PS e o PCP. Ela preferiu “fazer escolhas certas na reposição dos rendimentos do trabalho, no aumento dos salários e das pensões”, como refere. E a Cultura não esteve nas preferências. Por mais que Catarina Martins coloque as culpas no Partido Socialista, ou que dê exemplos de situações que podiam correr melhor, não pode pedir aos agentes culturais em particular e aos portugueses em geral que concluam o contrário do que aprova: um orçamento baixo para a Cultura, como aconteceu sempre na democracia portuguesa.

Anteriormente, fazia-se escolhas – e pagava-se o preço político pelas mesmas.

Catarina Martins assumiu as prioridades do BE, solidarizando-se com o PS e o PCP no OE 2018. É penoso vê-la num exercício textual de desculpabilização.