Quase 30 anos após o seu lançamento pelos Mão Morta, a canção “Budapeste” foi recauchutada por António Costa. Depois da visita a Viktor Orbán, o refrão deixa de ser “as noites de Budapeste são noites de rock & roll” e passa a “as noites de Budapeste são noites de roll over”, que é que o nosso Primeiro-Ministro fez, rebaixando-se em frente ao homólogo húngaro. Costa optou por não falar de temas comezinhos como Estado de Direito e instituições democráticas, para não aborrecer Orbán e correr o risco de ficar ainda mais longe do dinheirinho da UE. Se calhar, António Costa é a encarnação política de Adolfo Luxúria Canibal. Além da música, inspirou-se naquela performance histórica em que Luxúria Canibal resolveu espetar uma faca na perna. Na altura, disse que era para acalmar os ânimos. Surpreendentemente, não resultou. Vamos ver se António Costa consegue o que quer com este tiro no pé.

Com o fim do comunismo, foi-se o ferro, mas pelos vistos ficou a cortina. Costa aproveitou-a e fez um teatrinho. Cá dentro, é defensor intransigente da Democracia. Lá fora, é como calha, depende do estado do mealheiro. Como estava em Budapeste, armou-se em sortido húngaro, aquele biscoito que é metade bolacha de manteiga, metade bolacha de chocolate. Obviamente, a metade que dá graxa ao tiranete húngaro é a de manteiga.

Agora percebem-se melhor os presentes que António Costa levou para o Conselho Europeu. Aquilo que Costa ofereceu aos outros primeiros-ministros não eram máscaras, eram mordaças. Para ninguém dizer nada que irrite Orbán.

Não censuro António Costa. Como sabe qualquer jovem português que tenha feito Erasmus num país de Leste, com tantas solicitações e facilidades, António Costa fez algo embaraçante de que não se orgulha, tem noção de que vai ser gozado pelos amigos, mas ao menos tirou a barriga de misérias.

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E, para já, está a funcionar! De repente, a Hungria mudou a classificação de Portugal em relação às restrições na entrada do país. De amarelo, passámos a verde. Já não é mau. Mas ainda é pouco. Na avaliação cromática que interessa, ainda estamos longe de sair do vermelho. Para isso suceder, duvido que haja no mundo ditadores suficientes para Costa engraxar.

Mas, como se esperava, o Primeiro-Ministro foi criticado por esta cedência. António Costa respondeu aos críticos através de uma réplica à crónica que Rui Tavares lhe tinha dedicado. Saúda-se a evolução. Antes, António Costa respondia a articulistas com SMS arreliados, agora está mais calmo e fá-lo com textos ponderados. AC deixou subentendido que este não é o momento de dar lições de democracia, porque há valores mais importantes em jogo, nomeadamente, uma necessidade muito grande de aceder a fundos europeus. É uma argumentação falaciosa. Não só porque parte do princípio que vai haver um dia em que não vamos estar à rasca de dinheiro, como também porque duvido que Mário Nogueira permita que se sobrecarregue o professor que vai ministrar a tal aula de Democracia. É que, pelas minhas contas, já temos inscrições a mais. Além de Orbán, há Maduro, Putin, o tipo da Bielorrússia, Bolsonaro, os angolanos que nos emprestam dinheiro, Obiang e os chineses que nos compram as empresas todas. E vá lá, que o Gaddafi já morreu.

No fundo, isto são já as consequências da nova austeridade. A diferença é que, se na anterior a troika impôs-nos cortes em salários e pensões, nesta, Orbán é menos exigente e pede só que deixemos de gastar tanto em ética. Desta vez, vivemos acima das nossas possibilidades morais. Temos de cortar alguns princípios supérfluos. Mais tarde, acabada a crise, damo-nos ao luxo de voltar a ter integridade.

Esta foi também uma boa oportunidade de António Costa pôr Pedro Nuno Santos no seu lugar. Há tempos, o Ministro das Infraestruturas disse que o PS nunca mais vai precisar da Direita para governar. Costa veio agora corrigi-lo em público: o PS não precisa da Direita, nem de direitos. Assim é que é.