Quando o óbvio ficou praticamente concluído, como as infra-estruturas básicas de saneamento, os autarcas parecem ter ficado sem saber bem o que fazer ao dinheiro. É mais ou menos a partir dessa altura que começamos a ver disparates. Cada concelho quis ter o seu centro cultural e a sua piscina, o que resultou, regra geral, na falta de massa critica para espectáculos ou a termos estruturas de desporto que se degradaram ou partiram logo com uma enorme falta de qualidade.

Paralelamente assistiam-se a “obras de arte”, que merecem mesmo aspas, em rotundas. E hoje em dia, apesar das juras em defesa do ambiente, assistimos a rotundas com relva quando temos um problema de escassez de água. E fomos vendo fontes, invariavelmente iguais em vários concelhos, como se houvesse uma espécie de catálogo que percorria o país com o mesmo fornecedor. A grande moda destas autárquicas parece ser construir o nome da cidade ou da vila em letras garrafais.

Também em cada ciclo eleitoral vivemos o mesmo inferno de estradas de pantanas. E o inferno ainda mais grave de assistirmos à eliminação de árvores que, quando são substituídas, padecem do habitual erro de poupar onde não se deve, comprando quase arbustos que frequentemente não resistem. E lá vemos as praças e os passeios à torreira do sol.

Enquanto se atira literalmente dinheiro para a rua, as necessidades essenciais ficam esquecidas. É vulgar andarmos pelas vilas e cidades e ver o Centro de Saúde ou a esquadra de polícia degradados, as escolas, hoje menos esquecidas, mas que podiam estar muito melhor. E faltam médicos e enfermeiros, faltam polícias, enquanto a autarquia vai empregando cada vez mais pessoas.

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Bairros por onde ninguém passa vão sendo deixados ao abandono, com passeios que são armadilhas, estradas esburacadas ou lixo que se espalha porque as estruturas são insuficientes. Em Lisboa, basta sair dos circuitos turísticos para perceber quem são os esquecidos. Fora de Lisboa, assim que se sai do centro acontece o mesmo.

Quando andamos pelo país, percebemos bem onde falta o dinheiro e onde há dinheiro a mais. Percebe-se bem que há políticas públicas básicas, na segurança, na saúde, na educação e na habitação que falharam.

Olhemos para duas questões fundamentais: a saúde e a habitação.

Na saúde, ainda hoje vemos pessoas em filas naqueles que deviam ser os centros de prevenção da doença e alívio dos hospitais. Pode ser que o Plano de Recuperação e Resiliência dê um contributo. Mas se se limitar à construção, teremos mudado apenas o edifício. É preciso médicos e enfermeiros e isso exige uma política de melhores salários e de mais licenciados. Vamos ver se há coragem para pagar melhor – a exclusividade dos médicos corre o risco de criar mais problemas ainda. Para já parece existir coragem de quebrar as barreiras à entrada na profissão, que a Ordem dos Médicos tem conseguido manter há décadas.

Em termos gerais, alguns dos problemas que temos na organização da saúde pública derivam de escolhas que tiveram mais como objectivo satisfazer autarcas do partido do governo – estamos a falar da construção de hospitais – do que nas necessidades dos cidadãos.

Quanto à habitação, um dos problemas mais graves, especialmente para as gerações mais novas que iniciam a sua vida familiar, os erros têm sido enormes. Toda a política de oferta de habitação por parte do Estado tem sido um desastre e os incentivos ligados a outras medidas têm distorcido o mercado. E aquilo que se ouve nos debates está longe de nos sossegar.

Comecemos pela política de habitação social. Criaram-se autênticos guetos um pouco por todo o país. Casas com uma enorme falta de qualidade, em muitos casos com enquadramentos desumanizados e que em alguns casos se transformaram em antros de criminalidade. Será que quem o faz ou fez sabia que bairros como o do Restelo foram construídos para serem “económicos”? A comparação entre os bairros sociais do passado e os actuais são abismais e susceptíveis, em si, de perpetuarem a pobreza. É aliás muito difícil de perceber como é que ainda não foi possível realojar as pessoas que vivem no bairro da Jamaica, no Seixal.

As políticas de habitação social têm sido, como se percebe, um desastre. O que é incrível é ver que se insiste no mesmo modelo, de criar bairros para pobres, quando as autarquias deviam era ter casas integradas nos bairros das localidades para quem não consegue pagar. Os bairros sociais, como foram construídos, serão sempre um problema que, um dia, terá de ser solucionado.

Mas hoje o problema maior está na falta de casas para a classe média empobrecida em que nos transformámos. E além de aumentar a oferta de casas, usando os imóveis que tem – e Lisboa tem muitos – as autarquias deviam desenhar políticas, com o Governo, que incentivassem o aumento da oferta dirigida ao país que somos, de baixos rendimentos.

A habitação em Portugal tem vivido para o sistema bancário, para que se compre uma casa. Contrariamente ao que se possa pensar, uma lei de arrendamento flexível, em que seja mais fácil despejar quem não paga a renda, aumentaria a oferta de casas e não é nada amiga dos bancos. É aliás um paradoxo que um banco consiga despejar mais facilmente uma família que não paga o empréstimo, do que um senhorio tirar da casa uma pessoa que não paga a renda.

Habitação, saúde, segurança, educação, estas deviam ser as prioridades dos autarcas nesta nova era. Precisam urgentemente de mais competências, ou continuaremos a assistir a absurdos desperdícios de dinheiro. E a debates em que parecem não perceber bem do que precisam de facto os seus munícipes.