No meio de muitas críticas, o Banco Central Europeu voltou a aumentar as taxas de juro. Entre os mais críticos do aumento das taxas de juro pelo BCE destacam-se o presidente francês Emmanuel Macron e a nova primeira-ministra italiana, Georgia Meloni. Em Portugal as críticas ao BCE vieram do Primeiro-Ministro António Costa e do Presidente da República Marcelo Rebelo de Sousa. Todos consideram que o BCE deveria ter mais contenção no aumento das taxas de juro.

Deveremos entender as críticas dos governos ao BCE como uma desvalorização do problema da inflação ou oportunismo?

Os dados mais recentes não mostram sinais de abrandamento na taxa de inflação. Em outubro, de acordo com o INE, e contrariando as previsões do Governo, deverá superar os 10%. Os portugueses continuarão a perder poder de compra. No entanto, o Governo poderá apresentar, mais uma vez, graças ao aumento surpresa da inflação, um menor défice orçamental e uma redução ainda mais significativa da dívida pública em 2022.

O BCE e os bancos centrais das principais economias encontram-se numa posição muito difícil. Não podem deixar de combater a inflação, porque é esse o seu mandato. Mas combatendo a taxa de inflação, através do aumento das taxas de juro, arriscam-se a ser responsabilizados por provocar uma recessão.

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Na última década, os bancos centrais ocuparam o palco da política económica e brilharam. Mario Draghi, na liderança do Banco Central Europeu, tornou-se um dos políticos mais populares na Europa, tendo sido escolhido para primeiro-ministro de Itália. Na crise financeira internacional, na crise da área do euro e durante a pandemia Covid-19, tornaram-se as figuras centrais nas decisões de política económica. Com Estados muito endividados, os bancos centrais usaram o seu imenso poder para imprimir moeda para garantir o financiamento dos governos, das famílias e das empresas. No entanto, naqueles períodos, foi possível alargar o espaço de atuação dos bancos centrais porque a taxa de inflação se manteve em valores muito baixos.

As baixas taxas de inflação, nas últimas décadas, deveram-se a múltiplos fatores. A globalização possibilitou comprar produtos no ponto do globo que os conseguia produzir a menor custo. Dessa forma deu um contributo decisivo para as baixas taxas de inflação, reduzindo o custo do cabaz de bens de muitas famílias. A tecnologia permitiu produzir bens e serviços de qualidade mais elevada, a preços mais baixos. Basta pensar nas funcionalidades e preços de um telemóvel ou de um computador, hoje e há 20 anos atrás. O aumento da população ativa mundial contribuiu para conter o crescimento dos salários e, por essa via, dos preços. Os preços da energia não sofreram grandes choques. Finalmente, e não menos importante, os bancos centrais tornaram-se independentes do poder político, tendo no seu mandato o objetivo primordial da estabilidade dos preços.

Na vitória sobre a inflação, os economistas e os banqueiros centrais preferem naturalmente salientar o papel dos bancos centrais. No entanto, talvez exagerem o seu contributo. Como é evidente no atual contexto, quando a economia é afetada por choques nos preços da energia e dos bens alimentares, combater a inflação pode ter um custo muito elevado para a economia. Os bancos centrais procuram refrear o consumo, o investimento e o aumento da despesa pública aumentando as taxas de juro. Ou seja, o controlo da inflação só pode ser alcançado à custa de uma desaceleração da economia.

Os banqueiros centrais não estavam preparados para enfrentar esta mudança, tendo de tomar medidas impopulares. Essa terá sido uma das razões para terem demorado tanto tempo a aumentar as taxas de juro.

Os governos, com dívidas públicas muito elevadas e durante muitos anos habituados a governar com a ajuda de políticas monetárias expansionistas, também não estavam preparados para esta mudança. E a isso se devem as críticas de vários chefes de governo da Área do Euro às decisões de aumento das taxas de juro pelo BCE.

Os governantes europeus ao criticarem publicamente o BCE, minam a sua credibilidade e reputação. Antes de repetirem as críticas desta semana, seria útil que refletissem sobre a recente experiência inglesa. Em julho, Liz Truss, então candidata a primeira-ministra, referiu a necessidade de rever a autonomia do Banco de Inglaterra, criticando a sua ineficácia no controlo da taxa de inflação (link: https://www.ft.com/content/13422933-4829-453a-891a-26ffd8359c6b). Logo que foi empossada primeira-ministra, apresentou um orçamento com um corte brutal de impostos e um aumento colossal da despesa, sem explicar a forma como o défice orçamental daí resultante seria financiado. As dúvidas dos mercados em relação à sustentabilidade das contas públicas do Reino Unido geraram a fuga de investidores do mercado de obrigações a 30 anos, obrigando à intervenção do Banco de Inglaterra. O Banco de Inglaterra reafirmou a sua determinação em combater a taxa de inflação, obrigando Liz Truss a recuar e a demitir-se. O seu sucessor, Rishi Sunak, vai apresentar um plano de consolidação orçamental para cinco anos. Com a sua decisão resoluta, o Banco de Inglaterra reforçou a sua independência e credibilidade.

A crise governamental do Reino Unido veio relembrar-nos que as contas públicas sustentáveis são uma condição necessária para a independência e credibilidade dos bancos centrais. Estas, por sua vez, são essenciais para garantir o controlo da taxa de inflação e manter as taxas de juro baixas, uma condição essencial para a sustentabilidade de dívidas públicas muito elevadas, como são as dos países que criticaram o BCE na semana passada. António Costa e Marcelo Rebelo de Sousa fariam melhor em respeitar a independência do BCE e em focar-se nas políticas nacionais, onde há tanto para melhorar.