A realidade superou a ficção e aquilo que se dizia apenas por piada parece estar a concretizar-se: António Costa é Hollande em português. E se hoje o podemos afirmar sem ser piada é porque, com as devidas diferenças, o percurso de Costa se traçou em paralelo ao de Hollande. Por outras palavras, após 100 dias de liderança do PS, António Costa está em vias de completar o seu processo de hollandização (esta palavra devia existir) que, como se sabe, se segmenta em quatro fases.

A primeira corresponde à fase messiânica, que subsiste numa ilusão de grandeza suportada pelas elevadas expectativas dos seus apoiantes. Hollande, quando vence as eleições presidenciais francesas, em Maio de 2012, não faz a coisa por menos. No seu discurso de vitória, aponta ao céu: aquela era “uma grande data para França, um novo início para a Europa e uma nova esperança para o mundo”. O entusiasmo era de tal modo contagiante que António José Seguro definiu o momento como uma “nova primavera para os povos europeus”.

Ora, dois anos depois, António Costa seguiu as pisadas do francês. Elevado nas primárias socialistas como o único capaz de oferecer ao PS um rumo alternativo ao do governo, Costa convenceu-se que era um primeiro-ministro à espera da tomada de posse – o governo estava nos seus últimos dias e uma nova maioria estava a ser construída pelos socialistas. Um mês depois das primárias, só se falava em eleições antecipadas (até que Sócrates foi detido e nunca mais se tocou no assunto).

No início, corre sempre tudo bem. Mas, depois, vêm os problemas. E, com eles, a segunda fase: a manifestação da incapacidade em construir uma alternativa credível e sustentável às políticas de austeridade. Passada a euforia da vitória eleitoral, o francês viu as suas ideias sucumbirem ao teste da realidade. De facto, Hollande não conseguiu estar ao nível das suas promessas eleitorais, que passavam por arrumar a austeridade na gaveta e renegociar o texto do Tratado Orçamental europeu. Ora, por seu lado, enquanto candidato a primeiro-ministro, António Costa apresenta-se cheio de ideias que não enuncia. Abdicou de dizer o que pensa, o que propõe e em que consiste o carácter inovador da política do PS (e por isso está debaixo de fogo). Onde Hollande tentou e não conseguiu, Costa não conseguiu porque nem sabe como tentar.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

O choque das elevadas expectativas socialistas com essa incapacidade política conduz à terceira fase da hollandização – a da obsessão pelas sondagens e do receio da impopularidade. Poucos meses após a sua chegada ao Palácio do Eliseu, Hollande batia recordes. Nunca, antes dele, um presidente francês havia sido tão impopular e nenhum vira as sondagens deixarem de lhe ser favoráveis tão rapidamente. Por cá, António Costa justificou o seu assalto à liderança do PS através de resultados eleitorais e sondagens. Para ele, eram insuficientes os desempenhos do seu partido até então e, com ele, o partido certamente cavalgaria nas sondagens até à maioria absoluta. Só que os portugueses não têm correspondido a essas ambições. As sondagens mais recentes dão ao PS de Costa apenas um resultado idêntico ao de Seguro e um empate técnico com a coligação PSD-CDS. Exactamente aquilo que o próprio Costa antes qualificara de insuficiente.

Eis que se atinge a quarta e última fase: a conversão envergonhada ao neoliberalismo, que fecha o círculo do processo de hollandização. Depois de se elevar as expectativas, de não lhes corresponder e das repercussões no apoio popular, vem a resignação. E a de Hollande atingiu com estrondo a política francesa neste mês de Fevereiro. Sem apoio parlamentar dos socialistas franceses para aprovar a Lei Macron (um conjunto de medidas para liberalizar a economia), o governo francês forçou a sua implementação através de um mecanismo constitucional controverso e sujeitou-se a uma moção de censura. Hollande não poderia estar hoje mais isolado e longe de ser o inimigo da austeridade que pretendeu ser.

No caso de Costa, a sua conversão iniciou-se agora e é inevitavelmente mais discreta. Porque estamos em ano eleitoral. E porque, não sendo chefe de governo, não tem de tomar decisões difíceis como as de Hollande. Mas as suas declarações a empresários chineses são claras no reconhecimento (implícito) do sucesso das políticas nacionais no recuperar da economia portuguesa. Afinal, para Costa, a austeridade teve os seus méritos.

Ironia à parte, é expectável que esta hollandização não fique sem consequências. No congresso do PS (Novembro 2014), Pedro Nuno Santos (deputado e apoiante de António Costa) lançou o aviso: o que os franceses “não perdoam é que uma derrota da direita e uma vitória do PS [francês] não tenham correspondido a uma mudança de políticas”. Isto é, os apoiantes de Costa traçaram-lhe uma linha vermelha. E 100 dias depois, entre as linhas vermelhas de socialismos europeus e do Syriza, António Costa está como Hollande: num beco sem saída.