São três documentos da Comissão Europeia para os diagnósticos e recomendações do costume, que quase sabemos de cor. Sistema fiscal complexo e opaco, demasiados apoios sociais, alguns com os mesmos objectivos e para uma eficácia reduzida; administração pública a crescer em funcionários sem capacidade de atrair os melhores nem os que de facto precisa. Eis os três alertas do costume, a que se juntam agora os diagnósticos e recomendações sobre a transição climática onde estamos atrasados na gestão dos resíduos e na economia circular.

Estamos a falar destes três documentos: o Relatório de Avaliação Pós-Programa (um exercício que vem da era da troika), o Relatório da Comissão Europeia sobre Portugal e as Recomendações do Conselho. (Convenhamos que a Comissão Europeia, de há uns anos a esta parte, é uma produtora excessiva de papelada, incapaz de se concentrar no essencial, como aliás se percebeu pela ineficácia que os seus alertas tiveram na mudança da política energética europeia após o primeiro ataque da Rússia à Ucrânia em 2014).

Vamos olhar então, mais uma vez, para as recomendações, embora sejam por demais conhecidas e merecedoras de um amplo consenso entre quem deseja que Portugal seja um país com mais crescimento e mais desenvolvido.

No Estado, além da já habitual recomendação de uma política orçamental prudente que permita ir reduzindo a dívida pública, o Conselho recomenda que se “melhore a eficácia do sistema de impostos e de protecção social”.

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Comecemos pelos impostos. No IRS as críticas vão para os valores excessivos de retenção na fonte, que se traduzem em elevadas devoluções de IRS no ano seguinte. Este alerta acontece apesar das garantias que têm sido dadas pelo secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes, de que estão a aproximar as retenções do valor efetivamente devido de imposto.

Nos impostos sobre as empresas, é criticada a complexidade induzida pela derrama. Finalmente recomenda-se que se simplifiquem os benefícios fiscais, complexos e opacos – “foram identificados mais de 500 benefícios fiscais, distribuídos por mais de 60 textos”, refere a recomendação. Imagina-se como esta complexidade é amiga das grandes empresas que têm dinheiro para pagar a fiscalistas e consultores, um factor de desigualdade e que joga contra a produtividade – o problema central do país.

Melhorar, apenas simplificando o sistema fiscal, seria um importante contributo para reduzir os custos de todos os contribuintes, com especial importância para as pequenas e médias empresas, libertando recursos que podiam ter aplicações mais produtivas. E, sendo mais simples pagar impostos, certamente que seriam necessários menos funcionários públicos nesta área e existiriam menos contribuintes faltosos. É um jogo em que todos ganham, sendo incompreensível porque não fez, nem faz, o Governo absolutamente nada.

Na protecção social estamos perante um retrato que até já se nota na cada vez maior quantidade de linhas da conta da segurança social. Temos uma “infinidade de apoios sociais”, muitos deles querendo atingir os mesmos objectivos, o que redunda na complexidade do sistema e, consequentemente, na incapacidade de apoiar os que mais precisam. É urgente que se revisite o sistema de apoios sociais, dando-lhe racionalidade e capacidade de chegar, de facto, às pessoas que mais precisam, entre elas os trabalhadores em risco de pobreza. Vamos ver se a ministra do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social Ana Mendes Godinho é capaz de fazer essa mudança, em vez de ficar armadilhada na propaganda.

Se o Governo se fixasse nestes dois objectivos – impostos e segurança social –, juntando o esforço de simplificar os processos de aprovação dos projectos e de melhorar o funcionamento dos tribunais administrativos e fiscais, daríamos seguramente um salto na capacidade de crescimento económico.

As recomendações para a transição para uma economia mais sustentável é uma das novidades deste ano, relacionada quer com o Plano de Recuperação e Resiliência como com as preocupações que a invasão da Ucrânia pela Rússia veio trazer. É interessante verificar que, apesar do discurso público sobre o ambiente ter feito parte das mensagens dos partidos que suportaram os dois governos anteriores de António Costa, existem no país muitas lacunas ainda na gestão de resíduos, na reciclagem e na capacidade de circularidade da economia portuguesa.

Em matéria de transição energética, Portugal tem uma oportunidade única, mas também um risco muito maior do que os seus parceiros, por ser um dos países europeus que será mais afectado pelas alterações climáticas. Parecia que aqui estava tudo a ser feito, mas não é isso que transparece nas recomendações do Conselho ao governo português. Como se pode ler no documento, alerta-se para a necessidade de “acelerar a implantação de energias renováveis melhorando a rede de transporte e distribuição de electricidade, viabilizando investimentos em armazenamento e agilizando os processos de licenciamento para permitir um maior desenvolvimento de energia eólica, particularmente offshore, e solar”.

Além disso, recomenda-se que se reforcem os incentivos para o investimento em eficiência energética nos edifícios, indicando que há mudanças a fazer nos apoios do Fundo Ambiental – que têm que passar também pela simplificação dos processos. O novo ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro, tem muito trabalho pela frente, se de facto quiser que Portugal aproveite, bem e rapidamente, a vantagem que tem neste domínio das renováveis.

Sim, parece tudo muito óbvio e simples. Impostos, Estado Social, administração pública em geral mais qualificada, eliminação de burocracias, foco nos investimentos da transição energética e numa economia sustentável, designadamente na dimensão da gestão de resíduos. Mas para os governos parecem ser missões impossíveis. Se estas reformas continuarem a ser missões impossíveis podemos resignar-nos e preparar-nos para muito pior que o empobrecimento, ficarmos à mercê de esmolas de Bruxelas e do que as alterações climáticas ditarem.