1Os socialistas estão em êxtase com o atual momento político: António Costa bate recordes de popularidade, aproxima-se dos valores estratosféricos de Marcelo e o PS aumenta a diferença para o PSD do colaboracionista Rui Rio. Um verdadeiro sonho! — ao contrário do que acontece em Espanha em que o PP assumiu o seu papel de líder da oposição e está cada vez mais próximo do PSOE.

A popularidade de Costa deriva da aprovação que os portugueses fazem dos resultados do combate à pandemia mas também se deve ao efeito que os académicos apelidam de “união em torno da bandeira” — um momento em que a comunidade se une em torno do líder para enfrentar uma crise grave. É também isso que está a acontecer a outros líderes como Scot Morrison (Austrália), Justin Trudeau (Canadá), Angela Merkel (Alemanha) ou a Boris Johnson (Reino Unido). E foi precisamente isso que aconteceu igualmente aos presidentes que lideravam os Estados Unidos em momentos tão disruptivos como o Ataque a Pearl Harbour em 1941, a Crise dos Reféns no Irão de 1979, a Guerra do Golfo de 1991 e o 11 de Setembro de 2011. Contudo, como a revista The Economist recordava na sua última edição, depois das taxas de popularidade de Roosevelt, Carter, Bush pai e Bush filho terem disparado numa primeira fase, acabaram por descer logo de seguida de forma estrutural.

Fonte: The Economist

Qual a causa dessa queda? Os diversos líderes não conseguiram encontrar soluções capazes para as crises de diversa índole que se verificaram a seguir a cada um daqueles momentos. No caso de Tony Blair em 2005 (ataques bombistas em Londres) e François Hollande em 2015 (ataques terroristas em Paris) a taxa de popularidade de ambos já era tão medíocre que passou logo para terreno negativo.

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Portanto, aconselharia maior prudência aos socialistas e aos seus largos apoiantes na comunicação social que estão excitadíssimos com a atual popularidade de António Costa. Não só porque a crise económica começa a mostrar os seus primeiros sinais, como também porque Costa não consegue deixar de ser habilidoso — a sua verdadeira, e aparentemente, única natureza enquanto primeiro-ministro.

2 Veja-se mais uma exceção que António Costa já disse que irá conceder ao PCP (a realização da Festa do Avante) depois de o Governo ter proibido, e bem, os festivais de verão. Parece cada vez mais evidente que ser comunista em Portugal é uma espécie de salvo conduto para garantir privilégios face aos comuns dos mortais — como já tinha demonstrado a manifestação da CGTP no 1.º de Maio. Se os portugueses estão proibidos de sair dos respetivos concelhos para visitar a família, os sindicalistas comunistas até têm direito a autocarros pagos pelas autarquias. E se os portugueses não podem promover ajuntamentos, o mesmo já não se aplica ao Comité Central do PCP.

António Costa revela um oportunismo político censurável quando negoceia princípios de saúde pública em troca de apoios do PCP. É óbvio que a Festa do Avante não é uma atividade partidária como a Festa do Pontal do PSD ou qualquer outra rentrée partidária organizada pelo PS. É muito mais do que isso. Além de ser essencial ao financiamento do PCP, arrasta dezenas de milhares de pessoas à Quinta da Atalaia.

Após Costa ter dado luz vez verde publicamente (lavando as mãos sobre possíveis consequências sanitárias) está na cara que iremos assistir em setembro a um novo espetáculo de coreografia norte-coreana validado pela Direção-Geral de Saúde — provavelmente sem música mas com a tal atividade política referida pelo primeiro-ministro que consiste no discurso do secretário-geral do PCP. Mais um episódio que vai criar um clima perfeitamente dispensável de crispação na Opinião Pública.

3 A afirmação perentória de António Costa no Parlamento sobre os layoff (“está tudo pago”) é outro exemplo ridículo de tentar criar uma espécie de realidade alternativa. Além do ministro Pedro Siza Vieira já ter admitido em entrevista ao jornalista José Gomes Ferreira (SIC) a 30 de abril de que o Governo “defraudou as expectativas” das empresas ao não conseguir cumprir os prazos do pagamento do layoff, também o secretário de Estado do Trabalho reconfirmou esse atraso a 4 de maio, garantindo que no dia seguinte seriam “processados” pagamentos a 70 mil empresas, acrescentando que mais de 30 mil sociedades só receberiam o financiamento público do layoff a partir de 15 de maio.

Por isso mesmo, não se percebe este típico erro de fuga para a frente de António Costa que traz mais prejuízos do que benefícios.

4 Veja-se ainda outro caso: as garantias fake de que não haverá austeridade — garantias estas reiteradas sucessivamente por António Costa após um breve momento de sinceridade. Para quem está em lay off (entre 800 mil a 1 milhão de portugueses com menos 1/3 do seu ordenado) ou já foi despedido (desde o início de março que já entraram na Segurança Social cerca de 100 mil pedidos de subsídio de desemprego), essa narrativa é simplesmente uma insultuosa treta porque a austeridade já está a ser vivida por muitos portugueses.

Mas também é um atentado à inteligência da comunidade — e independentemente da questão semântica de não querer aplicar a receita da austeridade de 2011 a 2013 — porque as evidências são demasiado óbvias.

Como é possível que a maior crise económica mundial desde a Grande Depressão não culmine com a aplicação de medidas de contenção orçamental? Será possível que uma queda do PIB em 2020 entre os 6,8% previstos pela Comissão Europeia e os 8% pelo Fundo Monetário Internacional (FMI) — o que representa um aumento entre 65% e quase o dobro face ao período da troika em 2012 — não leve o Estado a aplicar medidas de austeridade?

Obviamente que um político como António Costa, que foi eleito com a narrativa de que a austeridade entre 2011 e 2013 foi excessiva e até desnecessária, tudo fará para não assumir uma política que sempre rejeitou.

O problema é que as opções políticas ficam muito estreitas quando a atividade económica tem uma queda desta magnitude e a taxa de desemprego pode disparar dos 6,4% registados em fevereiro para um valor que pode variar entre os 9,7% (Comissão Europeia) e os 13,9% (FMI). Com esta quebra abrupta na atividade económica, o Estado vai perder muita receita fiscal — ao mesmo que as suas despesas com subsídios de desemprego e outros apoios sociais, além do combate à Covid-19, já estão a subir vertiginosamente. Daí o défice entre os 6,5%(Comissão Europeia) e os 7,1% (FMI) previstos para 2020, além da subida da dívida pública dos 117% do PIB em 2019 para um valor entre os 131,6% (Comissão Europeia) e os 135% (FMI) no final do ano para financiar precisamente esse buraco nas contas públicas.

Nem vou falar no risco que existe de a ajuda europeia ser muito menor do que a esperada ou da decisão do Tribunal Constitucional alemão da semana passada puder agravar a prazo os juros da dívida portuguesa por os mercados deixarem de acreditar no programa de compra de dívida do Banco Central Europeu.

Mesmo que as previsões previstas para 2021 sejam positivas, com a previsão do crescimento do PIB a variar entre os 5% (FMI) e os 5,8% (Comissão Europeia), tal só se concretizará se os maiores destinatários das nossas exportações (Espanha, Alemanha e França) recuperarem como previsto.

Infelizmente, todas estas variáveis são muito negativas e não permitem fazer promessas, como as que António Costa fez, de que não haverá austeridade. São promessas como essas que, quando não são cumpridas, colocam em causa a confiança dos cidadãos no sistema político porque aqueles sentem-se enganados pelos seus representantes. É isso que o primeiro-ministro quer com tantas tretas?