É triste, é revoltante esta situação! Mais um jovem brutalmente assassinado!

Bruno Candé Marques teve a sua vida interrompida por alguém munido de balas, mas também de ódio. E tudo aponta a um ódio para com uma característica específica de Bruno Candé. Das várias características que o Bruno Candé tinha, alguém destacou uma para o ofender e odiar. A sua cor de pele. Houve ódio racista.

Um homem que nem os seus quase 80 anos de idade serviram para aprender um pouco sobre humanidade. Os factos conhecidos até este momento apontam que o assassino, que por ora se descrimina designando de “suspeito”, para além de, dias antes, bater na cadela do Bruno, como se não bastasse a gravidade da situação, ainda se achou no direito de proferir insultos racistas, como “preto do c……., volta para a tua terra”. Seria este idoso, o dono destas terras onde decidiu terminar com a vida do Bruno Candé? Será que Bruno estaria a usurpar um espaço que não era seu? Lamentavelmente, factos discriminatórios continuam a acontecer de forma silenciosa, ao mesmo tempo este tipo de pensamento permanece enraizado na mente de muitas pessoas, mesmo que, por vezes, de forma inconsciente. Ainda o cidadão de pele escura é conotado como “o preto“, “o de cor“, quando era apenas o Bruno Candé Marques. E quem fala do Bruno, fala do Luís Giovani, do Alcino Monteiro e de muitos outros/as jovens que sofreram e sofrem do mesmo mal. O ódio, mais ou menos frontal, mas sempre verbalizado, devido a uma característica individual que tinham em comum: a cor da pele.

Há muito por fazer na nossa sociedade e no mundo para evitar situações destas, mas enquanto as pessoas não forem punidas pelas ofensas raciais, bem como outras que discriminam alguém por características individuais, vamos continuar a assistir a este tipo de situações que revoltam e que separam as pessoas, quando estamos (ou devíamos estar) todos no mesmo barco. Podia ter sido o teu irmão, o teu primo, o teu vizinho, ou o teu pai. Podia ter sido a tua mulher, a tua amiga, a tua tia, ou a tua avó. Mas foi o Bruno. Um negro, filho, pai, primo e amigo de alguém que hoje apenas pode chorar.

É inadmissível, depois de mais de 500 anos de convívio, ainda termos de debater certos assuntos, mais ainda em pleno século XXI. O mundo dá voltas, mas não queremos outro apartheid. Estou certo de que a maioria dos portugueses não quer regressar a épocas ou viver em regimes que discriminavam pessoas pela cor da sua pele. Quero tanto ver um Portugal completamente livre, translúcido e justo quando se trata de racismo ou de qualquer outro tipo de discriminação.

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Gostava de dizer que queria tudo da mesma forma que vemos a união, sem cor nem género, quando se trata de futebol; mas mesmo no desporto continuamos a ver e a ouvir as ofensas e as piadas. Felizmente ,viu-se por estes dias o avançar de medidas punitivas para ofensas à orientação sexual e de género nos estádios. Mas ainda há muito por fazer.

Precisamos de despertar, de uma vez por todas, para a educação de uma nação, não só para dos jovens, mas de todos. Não quero mais sentir que o facto de ter uma cor diferente, isso signifique que serei ou poderei vir a ser alvo de discriminação, inferiorização, ou nepotismo.

Não posso deixar de recordar que, no tempo das escolas primária e secundária, em pequenos desentendimentos com outra criança (branca), as palavras utilizadas, de forma a atingir a minha integridade, eram as mesmas que ainda hoje são usadas: “preto de m…. vai para a tua terra“, como se o facto de o meu avô branco, pai da minha mãe mulata, não me desse o direito de me sentir na minha terra, nas minhas origens. Mas mesmo aqueles ,cujo avô, não sendo branco, levam gerações em Portugal, não serão estes tão Portugueses quanto os outros? Terão eles nascido ou crescido em terras portuguesas para serem discriminados como portugueses?

Piadas como “para te verem no escuro precisam de lanterna” ou graçolas, quando se tirava uma foto à noite, como “a ti só se devem ver os dentes“, são como balas. Não as mesmas que atingiram o Bruno, mas balas invisíveis que causam sempre risadinhas inocentes, mas que aos poucos reprimem quem as ouve. Se os meus amigos brancos não vislumbram maldade naquelas palavras, são coisas destas que fazem com que, pouco a pouco, o racismo se torne normal e inconsciente. Quem é atingido com tais palavras pode vir a criar rancores e ódios que o retiram da sociedade comum. Não haja dúvidas, que há expressões que conseguem destruir muitas vidas.

Sempre que o racismo vem à luz do dia, sempre que é tema, não deixo de pensar em certas situações potenciais. Como por exemplo, mesmo sendo racista, se este idoso que tirou a vida a Bruno Candé precisasse de uma doação de sangue, ou de um transplante de órgão, não se perguntaria se o sangue é de um negro ou de um branco, mas, sim, se “é A positivo ou negativo” e rezaria para que o seu corpo não rejeitasse o órgão. Afinal não existem tantas diferenças no negro, branco, amarelo ou lilás. Todos nós temos a mesma cor de sangue e os mesmos órgãos, mudando apenas algumas células que as tornam positivas, negativas, “A”, “O”, etc.

O racismo, consciente ou inconsciente, tem que acabar. Temos que começar a perceber que o gato só come ratos se não for educado a comer outra coisa. Ao longo da história da humanidade foram muitos os momentos em que o “normal” teve que evoluir. Consciência é educação. E esta começa em casa, na escola, na comunicação social, ou mesmo num simples anúncio publicitário. As evoluções fazem-se com as sociedades envolvidas na plenitude. Temos de parar de construir o ódio e a ignorância camuflados, quando todos fazemos parte de uma mesma sociedade. Onde todos nos cruzamos e contribuímos para o bem-estar, presente e futuro, de todos, independentemente da sua cor ou extrato social. Sejam(os) humanos! Sejam seres com capacidade de pensar, questionar, sentir e criar. Que as características individuais relevantes sejam as tuas e não as dos outros. Sejam(os) vida!