“Nunca estou preocupado quando se trata de apurar a verdade (…) Apure-se a verdade, o país nunca fica pior sabendo-se a verdade. (…) [o país] fica sempre melhor seja a verdade qual seja e doa a quem doer”.

António Costa, 4 de abril de 2023

1 Lembra-se caro leitor quando em novembro, a propósito do meu livro “O Governador”, lhe falei da política de segredo instituída desde há muito na classe política portuguesa — algo contra-natura em democracia? Uma política de segredo que vista impedir a livre circulação de documentação e informação que permita um escrutínio público mais efetivo.

Pois bem, a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da TAP está a revelar uma vez mais que basta uma simples mostra de documentação dos arquivos de entidades públicas e a revelação de conversas entre gestores públicos e membros do Governo põem a nu com uma eficácia elevada as mentiras, as más práticas e a instrumentalização da coisa pública ao serviço de interesses partidários e pessoais que muitas vezes é promovida pela nossa classe política. Neste caso, pelo Governo de António Costa.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Confesso-lhe, caro leitor, que me é indiferente a motivação da CEO da TAP — seja a reposição da sua honra, seja um acerto de contas. O que me interessa é saber se os emails ou whatsapp’s são verdadeiros — e se são, como tudo indica, as revelações feitas são de uma gravidade extrema.

É por isso que as mentiras e as omissões de Pedro Nuno Santos, de João Galamba, Ana Catarina Mendes e de Fernando Medina, assim como do CFO da TAP, do inspetor-geral das Finanças, são muito relevantes. E independentemente dos jogos com as palavras. Como dizia António Barreto este sábado no Público, “dizem a verdade aos poucos mas mentem de uma só vez”

2 Escrevi aqui que o Governo  tem um problema sério com a “questão ética” desde há muito. O caso da TAP é só o culminar de uma sucessão de episódios que começam no próprio primeiro-ministro — que já pressionou o poder judicial ao vivo e a cores no caso Manuel Vicente e já tentou imiscuir-se no exercício independente da ação de supervisão do Banco de Portugal no caso Isabel dos Santos — e prolongam-se pelos vários membros do Executivo que foram caindo como tordos desde o início da maioria absoluta.

A questão é que ao fim de quase oito anos de governação, o desgaste político já é muito acentuado e a opinião pública não tem paciência para o spining e a propaganda constante do Governo — não há central de informação que consiga controlar isso.

E muito por culpa da perda de poder de compra que, no final de 2023, deverá atingir cerca de 15% em dois anos, como também da constante subida dos juros e do problema da habitação. Há efetivamente um regresso da conflitualidade social e isso só vai acelerar o desgaste político do Executivo.

Para já, só falta um aumento do desemprego (que esperemos que não venha a ocorrer) para termos uma tempestade perfeita num cenário internacional muito instável.

3 O caso TAP representa a forma como António Costa sempre olhou o setor empresarial: tudo pelo Governo, nada contra o Governo. Bem sei que a TAP é uma empresa pública — já lá vamos — por única decisão de António Costa.

A questão é precisamente essa: a diferença entre o público e o privado é praticamente inexistente porque António Costa entende que o Governo tem de meter o nariz em tudo o que mexe.  O próprio Costa partilha com José Sócrates a ideia de um poder político forte, com laivos de autoritarismo, para zelar por aquilo que o primeiro-ministro entende que é (de uma forma discutível, refira-se) o interesse público.

Os velhos tiques socráticos do PS não desapareceram — como podem desaparecer, se os maiores apoiantes de Sócrates são agora os maiores apoiantes Costa. Para o PS não há verdade. Como disse um socialista ao Expresso, “cada um vai à Comissão de Inquérito dizer a sua verdade, agora foi a vez de [a CEO] pôr a culpa no Governo, depois será a vez de o Governo dizer a sua verdade”.

Percebe, caro leitor? Para o PS, é normal combinar audições parlamentares antes das mesmas terem ocorrido, é normal não exercer o contraditório quando se quer despedir alguém com justa causa. Pelo contrário, deve-se despedir a CEO da TAP em direto na TV, uma espécie de versão nacional do famoso “You’re fired!” de Donald Trump no programa “The Aprendice”.

É também normal colocar uma empresa pública ao serviço do PS, desviar voos para manter o apoio político de alguém e, claro, fazer de parvos todos os portugueses que injetaram 3,2 mil milhões de euros numa empresa falida para a vender sabe-se lá por quanto?

Tudo é normal. Só não é normal é o contribuintes continuarem a pagar as contas das asneiras de políticos que praticamente não têm experiência alguma da vida real porque saíram dos bancos das faculdades para o PS e para os Governos do PS.

O cúmulo do ridículo e da incompetência de todo este processo:

  • há uma CEO despedida com (alegada) justa causa que ainda continua em funções porque a IGF e o Governo não cumpriram os deveres de contraditório e ainda não correu o prazo para se convocar uma Assembleia-Geral para a destituir
  • E a TAP ainda não informou Alexandra Reis sobre como deve devolver os 500 mil euros de indemnização.

Cada vez mais tenho a convicção de que Ricardo Salgado e João Rendeiro teriam encontrado em António Costa e nos seus ministros interlocutores interessados em salvar o BES e do BPP da insolvência.

4 Se o papel do Presidente da República no nosso sistema político-constitucional se assemelha a um árbitro que tem uma legitimidade politicamente reforçada por ser eleito diretamente pelos portugueses, então o papel de Marcelo Rebelo de Sousa é essencial para que o país consiga sair deste impasse, como disse Luís Marques Mendes este domingo na SIC.

Não só não ignoro, como faço questão de recordar que Marcelo foi cúmplice e parceiro de António Costa em muitos momentos desde 2015. Muitas vezes até andou com o Governo ‘ao colo’, não separando devidamente a função presidencial da governativa.

Seja como for, a política não é estática e as relações e os contextos evoluem. Desde a tomada de posse do Governo de maioria absoluta, Marcelo Rebelo de Sousa tem-se mostrado crescentemente crítico e já descolou de António Costa várias vezes. Nomeadamente naquele final de ano de 2022 e início de 2023 terrivelmente marcados por uma sucessão de casos e casinhos (ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui).

A questão é: tendo em conta o estado de degradação política do Governo, o que afeta diretamente a a sua credibilidade e a sua autoridade, o que deve fazer o Presidente da República?

Tendo em conta o histórico da relação entre os dois, deixa ser uma ironia que tenha sido Pedro Santana Lopes a verbalizar aquilo que cada vez mais pessoas já sentem: “Marcelo deve estar a ponderar dissolução” da Assembleia da República, afirmou em entrevista ao Público.

5 Se quisermos ser inteiramente justos, os vários casos que levaram Jorge Sampaio a dissolver a Assembleia da República, o que provocou a ‘morte’ do Governo de Santana Lopes, nada são ao pé do que aconteceu com o Executivo de António Costa. Aliás, se fôssemos pelo padrão do Presidente Sampaio, o atual Parlamento já tinha sido dissolvido várias vezes.

Contudo, o contexto político interno e o contexto económico a nível europeu não aconselha isso. Não só o PSD não está a conseguir capitalizar os votos que o PS vai perdendo com o passar do tempo, como o Chega podia ser o grande vencedor de umas eventuais eleições antecipadas. E a Guerra na Ucrânia ainda está para durar. Um impasse, portanto.

E como saímos daqui? Não tenho uma varinha mágica que me permita adivinhar o futuro — e logo com um Presidente como Marcelo.

Agora não tenho dúvidas de que está escrito nas estrelas de que este Governo não vai conseguir levar o mandato até 2026 devido a um mix entre a via do agravamento das condições económicas e a via do nascimento de novos casos.