Qual é a diferença entre um governante português e um governante norte-europeu? A principal dissemelhança está no respeito com que tratam os impostos cobrados. Enquanto um ministro sueco ou finlandês, holandês ou alemão tem consciência que é dinheiro que custou a ganhar aos contribuintes, de que lhes custa separarem-se, pelo que deve ser bem e prudentemente usado na persecução do bem comum, a um ministro português falta-lhe essa consciência, pelo que o usa com a seriedade de um feirante, o profissionalismo de um canalizador e a constância de uma borboleta.

Exemplos mediáticos dessa seriedade, profissionalismo e constância são a aplicação do dinheiro dos nossos impostos em helicópteros que não voam, estádios que ninguém usa, sistemas de comunicação que não funcionam ou em companhias estratégicas que produzem commodities a custos acima dos preços de mercado. Ou ainda em atividades fundamentais para a cultura e bem-estar das nossas populações como peças de teatro experimental e estruturas artísticas colocadas nas vias públicas, obras que um dia serão objeto de estudo aturado & cuidadoso por antropólogos, como chave para perceber a estrutura mental dos nossos governantes — e de quem os elege.

Na consciência com que usam o dinheiro proveniente de deduções aos salários que ganhamos e adições ao preço das compras que pagamos os políticos portugueses assemelham-se a Kaneuri Kichiji (金売吉次, fl. séc. 12) quando recebeu duas moedas de ouro de Ofuji. Diz uma lenda que:

“Vivia, em tempos há muito idos, um certo Kichiji que se dedicava à confeção de carvão vegetal. Era tão pobre que ninguém queria casar com ele. Vivia sozinho numa montanha, no Monte Shiraishi, ganhando o sustento diário confecionando carvão através da queima de madeira de ko, carvão que depois ia vender ao distante porto de Shimoda.

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“Por esse tempo, a bonita filha de um opulento mercador da capital, Ofuji, tinha atingido a idade casadoira, mas por algum motivo todas as conversas de enlace se dissolviam, sem razão aparente, antes de se concretizar. Preocupados, os pais consultaram um dia um monge budista reputado na sua capacidade de revelar o oculto no passado e no futuro. Este, depois de sondar as sutras, descobriu-lhes que tinha ficado decidido, na reencarnação anterior de Ofuji, que ela se casaria na presente existência com um queimador de carvão chamado Kichiji, morador no Monte Shiraishi.

“Assim os pais da moça convenceram-na a fazer a viagem sozinha, através de mares e montanhas, da capital até aos recessos do Monte Shiraishi, para ir ao encontro daquele a quem estava destinada. Tendo chegado a local remoto por onde ninguém passava, Ofuji parou para descansar um pouco. Aconteceu então passar por ali um homem, enegrecido de fuligem da cabeça aos pés, carregando aos ombros uma enorme carga de carvão. Ofuji ficou tão contente de ver alguém naquele local deserto que, depois das saudações da praxe, lhe perguntou se conhecia o queimador Kichiji de Shiraishi. Qual não foi a sua surpresa quando [aquele agente de alterações climáticas pré-capitalistas] lhe respondeu que era ele próprio e que se dirigia a Shimoda vender o [poluente] produto do seu labor.

“Ofuji contou, com a brevidade que a sua condição feminina lhe permitia, a razão da sua longa viagem desde a capital, e pediu-lhe que a tomasse por esposa. Kichiji, embaraçado pela extemporânea proposta, recusou, dizendo que não podia deixar viver uma senhora tão linda na sua miserável habitação. No entanto, a determinação de Ofuji era tão firme e insistente que Kichiji relentou e conduziu-a à sua cabana, numa das encostas da montanha. Quando lá chegaram, Ofuji viu que a pobreza em que ele vivia era indizível. Tirando dois koban de oiro da sua manga, pediu a Kichiji que fosse comprar na povoação mais próxima alguns bens essenciais à vida de seres humanos. Era a primeira vez na sua vida que Kichiji via moedas e não estava certo para que serviriam e se com elas se poderia comprar alguma coisa de valor.

“Ao se aproximar de uma vila no sopé da montanha, Kichiji viu um pato bravo a chafurdar num pântano. Em vez de apanhar uma pedra, como de costume, pegou num dos koban de oiro e atirou-o ao animal para o matar. A moeda falhou o bicho, que levantou voo, e foi-se enterrar na lama. Mas quando Kichiji apresentou o outro koban de oiro no mercado da vila, todos os mercadores pareciam ansiosos que ele levasse da sua mercancia o mais que pudesse, e no final disseram-lhe que voltasse sempre.

“Ao regressar à montanha, Kichiji contou a Ofuji como tinha falhado o pato com um dos koban, e comprado tudo o que trazia com o outro. Ofuji ficou admirada de o homem não saber que uma moeda de oiro é muito valiosa e que é um dos objetos da ganância das pessoas deste mundo, que se matam a trabalhar para obter apenas uma delas. Foi a vez de Kichiji se admirar: pedras e calhaus daquela substância é o que mais havia naquela colina.

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“A partir desse momento Kichiji começou a misturar essas pedras nos pacotes de carvão e a enviá-los para casa dos pais de Ofuji, na capital. Ao fim de algum tempo também o casal se mudou para a capital onde viveram, até o termo da sua passagem por este mundo, como milionários.”

Também os nossos políticos, assim que vêem um pato de um problema, atiram-lhe com dinheiro com aquele à vontade que Kichiji tinha antes de saber para que é que este serve. Dinheiro que geralmente não atinge o bicho, seja ele um desfavorecimento social ou uma ineficiência económica, e se enterra na lama. Dinheiro que, neste caso, vem dos impostos. Como aquele não chega para todos os patos que aparecem, atiram-lhe também com o dinheiro que pedem emprestado em nome dos portugueses, a ‘dívida pública’. E agora, quando chegarem os ‘Fundos Europeus’, alguém duvida que também os atirarão aos patos que na altura estiverem mais à vista?

U avtor não segve a graphya du nouo AcoRdo Ørtvgráphyco. Nein a do antygo. Escreue coumu qver & lhe apetece. #EncuantoNusDeixam