O ano de 2020 assoberbou-nos assim que chegou. De facto, poucos meses passaram para derrubar o período de acalmia e de esperança que tínhamos acerca do ano que acabara de se iniciar. 2020 trazia com ele, de rompante, o novo coronavírus que assolou o mundo e com ele as nossas rotinas, hábitos e experiências diárias. O dia 2 de Março marca o início de uma batalha para a qual os portugueses ainda não têm previsão do fim. Esta batalha acontece em vários espectros e em várias realidades, sendo que uma delas é a realidade escolar, abrangendo cerca de dois milhões de alunos em todos os recantos do país.

Neste âmbito, e em resultado das medidas de contenção decretadas para combater a propagação do COVID-19, as escolas foram encerradas e foi implementada uma nova forma de ensino à distância, com recurso às aulas virtuais. E é aqui que acontece o maior banho de realidade: os números dizem-nos que um em cada cinco alunos não possui um computador em casa. Acresce ainda que cerca de 5% das famílias com crianças e adolescentes até aos 15 anos não tem acesso à internet. No concelho de Loures, sabemos que em algumas freguesias os números são ainda mais preocupantes. Falo do concelho de Loures, sobre o qual incidem as minhas maiores preocupações e desejos, mas posso falar igualmente de outros recantos deste país, com incidência para o interior. Não somos um país modernizado de uma ponta à outra. É falacioso pensar que todos temos um smartphone ou um computador, é fantasioso pensar que este país é a cidade de Lisboa. Como tal, não nos chega olhar para esta solução com os olhos privilegiados de quem utiliza um computador numa base diária. Cabe-nos a nós ter a voz para falar sobre os casos que não chegam a ecoar.

Vivem-se, portanto, tempos delicados. Sabemos que a capacidade de concentração dos alunos pode ser afetada e sabemos igualmente que existem formas de trapacear momentos de aprendizagem ou de avaliação quando recorremos às aulas virtuais (ou mesmo à telescola). No entanto, o que mais me preocupa nesta medida é precisamente termos conhecimento dos números e da realidade dos alunos que não têm acesso a internet, computadores, a softwares e equipamentos que se afiguram essenciais para a continuação da sua aprendizagem em casa. Este elevador social nunca esteve tão avariado, mostrando que a igualdade de oportunidades é ainda muito insuficiente.

O seio em que nascemos e vivemos determina, muitas vezes, as condições de aprendizagem e, por consequência, o sucesso alcançado. É inegável e irrefutável. No entanto, é à escola e à educação que cabe o papel de transformar o mundo, nomeadamente ao criar oportunidades para que o fosso socioeconómico seja diminuído. Destarte, que não haja lugar a ilusões: ter aulas virtuais não contribui para a redução deste fosso, como, pelo contrário, ainda o acentua mais.

Se esta pandemia veio para nos ensinar alguma coisa (creio até que nos ensinará muitas), então que retiremos ensinamentos sobre o que é fundamental. Estamos juntos no combate, mas será ideal que todos tenhamos as mesmas oportunidades de nos protegermos, de nos informarmos e de nos transformarmos. Não há lugar a ilusões, mas há lugar ao trabalho e à dedicação para que, em breve, saiamos disto melhores.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR