A dia 2 de março, o memorial ao Massacre de Babi Yar foi atingido por bombardeamentos russos que tinham como alvo a capital ucraniana de Kyiv. Apesar de se julgar o monumento como “só” um memorial às vítimas do Holocausto e da ocupação nazi da Ucrânia, a sua construção tem uma história e significado mais profundo, que pode ser símbolo da resistência do povo ucraniano tanto à ocupação nazi como da opressão soviética que viveu durante o século XX.

Quando Kyiv caiu nas mãos do exército alemão em 26 de setembro de 1941, o grande objetivo dos nazis era o extermínio da ainda relevante comunidade judaica residente na cidade. Sob pena de execução, a comunidade judaica foi notificada sob pretexto de realocação, para se juntar no centro da cidade. Nos dias 28 e 29 de setembro, a coluna de milhares de judeus é direcionada para Babi Yar, uma ravina nos arredores da cidade, e brutalmente assassinada. Em dois dias, 33.771 judeus foram mortos, na sua maioria crianças, mulheres e idosos, já que grande parte dos homens se haviam juntado aos partisans ou ao exército vermelho. Até ao final da guerra, cerca de 150.000 foram assassinadas e enterradas na ravina, entre civis e prisioneiros de guerra, sendo uma das maiores valas comuns na Europa.

No final da guerra, a União Soviética tomou uma posição, no mínimo, ambígua em relação ao Holocausto. Na posição oficial do partido e do país, a nação soviética tinha sido vítima de um ataque por forças reacionárias e anticomunistas, evitando fazer menção particular à perseguição específica das comunidades judaicas como motor do conflito. Com esta política do PCUS, memoriais seja pela população da cidade ou pela comunidade judaica eram “desencorajados”, de forma a corresponder com a narrativa. Contudo, com a dissolução da União Soviética em 1991, vários memoriais das vítimas do Holocausto foram erguidas um pouco por toda a Ucrânia, e esforços empreendidos junto de investigadores judeus numa tentativa de identificar as vítimas.

Este apagar da história do sofrimento ucraniano (convém notar que a na altura RSS da Ucrânia foi o país com mais percentagem de população perdida para a guerra, só atrás da Polónia, com 3,7 milhões civis de mortos, 1,5 milhões dos quais judeus), por parte do regime russo, de atrocidades cometidas pelo regime nazi mostra o passado de opressão sofrido pelo povo ucraniano durante boa parte do século XX. Agora, 30 anos depois de se verem livres do jugo do regime soviético, a sombra da opressão sofrida volta a assombrar o povo da Ucrânia, correndo novamente o risco de voltar a estar sob a opressão do passado.

Este é o grande motor da resistência ucraniana. Acima da defesa do seu território e do seu estado, os ucranianos defendem o seu bem mais precioso, que lhes foi privado durante a maioria da sua história, e em nome do qual milhões lutaram, resistiram e morreram no passado: a sua liberdade.

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