O Bairro São João de Brito, em Lisboa, tem uma história incrível. Vê-se da Segunda Circular, junto à saída para a auto-estrada do Norte. Fica entre a Rotunda do Relógio, a própria Segunda Circular, e a Avenida do Brasil. Há quem o confunda, pelo nome, com a antiga freguesia que agora integrou Alvalade, e há também quem pense que é um bairro de barracas, mas não é. Aquelas pessoas vieram de África, logo após o 25 de Abril, e não tinham família em Portugal continental. Pediram ao Estado um terreno para auto-construção e a Câmara Municipal de Lisboa indicou-lhes aquele. Ou seja, na ausência de quem os pudesse apoiar, as pessoas precisaram e tiveram, da parte dos poderes públicos, um sítio para construírem as suas casas. E construíram. Dali em diante, abriram-se os portões do inferno.
Com a candura própria da burocracia e das grandes brutalidades, chegou-se à conclusão de que o presidente da Câmara não tinha poderes para dar aquele terreno. Depois, nas mãos dos numerosos organismos do Estado, e dos numerosos serviços desses organismos, do Estado central, das CCDRs, e das câmaras – e dos diversos governos ao longo destes quase 50 anos –, o processo andou de Herodes para Pilatos. Estas pessoas só agora conseguem ter o bairro legalizado e fazer as escrituras das casas delas, através de uma alteração específica ao Plano Director Municipal. O último troço, correspondente à Rua das Mimosas, ao longo da fronteira com a Segunda Circular, havia sido inviabilizado com o pretexto de que a ANAC (autoridade dos aeroportos) levantara obstáculos de segurança, pela proximidade ao aeroporto da Portela. Uma alegação torpe, uma vez que a mesma CCDR, e a própria ANAC, já tinham licenciado para ali uma bomba de gasolina. Tudo isto decorre de um conjunto de comportamentos políticos e administrativos exemplares, no pior sentido da palavra. Do que não se pode aceitar. E mostra-nos algumas coisas.
Mostra-nos, por um lado, como é que uma série de governos centrais e municipais, ao longo destes quase 50 anos, se mostraram empenhadíssimos em resolver o problema. Não houve campanha eleitoral sem visita ao Bairro São João de Brito, onde os candidatos, solenes e de olhos húmidos, garantiam às pessoas que desta vez o problema delas ia ficar resolvido. Nunca ficou. Resolveu agora o executivo de Carlos Moedas, que em lugar de frases piedosas usou o trabalho competente das vereadoras da Habitação e do Urbanismo. Sim, é certo que, em democracia, as coisas funcionam por acumulação; ninguém faz grandes obras, que são próprias dos regimes autoritários. E também é certo que houve deputados diligentes, e membros da Junta de Freguesia do mandato anterior. Conheço quem se tenha interessado por este assunto de boa-fé e até com algum custo pessoal. Mas o facto é que o Partido Socialista, durante vários anos, e por mais do que uma vez, esteve no governo da República e no governo da cidade de Lisboa. Nem assim conseguiu resolver coisa alguma.
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