A propósito da resolução e venda do Banif, aprovadas pela Assembleia da República, a nossa oligarquia política decidiu que o povo tem o direito de “perceber”. Perceber, entre outras coisas, porque é que o governo fez pagar aos contribuintes mais uma falência bancária. Ou, em números, porque é pagámos todos pelo Banif 2.225 milhões de euros (pelo menos), e o Santander só 150 milhões?

Perceber, aqui, cheira a auto-de-fé: trata-se de arranjar um culpado e queimá-lo, pelo menos simbolicamente. De um lado, dava jeito poder dizer que a culpa foi toda do governo de Passos, que teria adiado e escondido o problema, para chegar às eleições com uma normalidade fingida. Do outro lado, dava jeito dizer que a culpa foi toda do governo de Costa, que teria deixado fugir informação e depois se precipitou, vendendo o Banif ao desbarato e poupando os seus acionistas. O Banif resultou de três anos de manha, ou de três semanas de incompetência? É a esta escolha, determinada pelas simpatias partidárias, que a oligarquia chama “perceber”.

Mas também se arranjam culpados que deixam toda a gente muito satisfeita. Por exemplo, os banqueiros, que para uns são os únicos responsáveis da crise, e que, para outros, servem pelo menos para adquirir credenciais de justiceiro. Ou, ainda melhor, o governador do Banco de Portugal e a Comissão Europeia. Esta última solução tem esta vantagem: até os banqueiros se juntam ao coro de acusação.

Este é o caminho pelo qual a nossa oligarquia gostaria de pastorear o entendimento do povo. É um caminho que não leva longe. Porque o ponto de partida do Banif não está no governo de Costa, nem no governo de Passos, nem no governador Carlos Costa, nem na Comissão Europeia, nem no BCE. O ponto de partida está na falência do país, de que a falência da banca é apenas um aspeto (como aqui lembrou José Manuel Fernandes). E o modo como se lidou com os casos bancários deve ser percebido da mesma maneira.

O caso do Banif justificou duas grandes críticas. A primeira diz respeito à demora em acorrer ao problema. Já ouvimos a mesma coisa nos casos do BPN e do BES. Há que lembrar a situação do país. A partir da década de 1990, o papel da banca foi o de sustentar o consumo e o investimento em Portugal através do endividamento externo. Depois da crise da dívida, continuou a servir para o BCE financiar o Estado indiretamente. Sem os bancos, as ilusões em Portugal ter-se-iam desmoronado, não há quatro, mas há quinze anos. Eis porque todos os governos e todas as autoridades tentaram não ver os problemas e, quando houve que ser finalmente drástico, poupar acionistas e investidores à custa dos contribuintes (menos, até ver, no caso do BES). Ninguém queria assustar o dinheiro internacional de que o Estado e a sociedade viviam desesperadamente.

O segundo ponto de controvérsia respeita à venda do Banif a um banco espanhol. Mas o processo pelo qual a nossa banca se vai tornar espanhola não começou agora. Começou em 1975, quando o MFA decidiu destruir os grupos financeiros nacionais. Duas décadas depois, outros governos tentaram recompor esses grupos. Acontece que os antigos expropriados já não dispunham de recursos próprios à altura, nem havia um mercado de capitais desenvolvido ou grandes investidores institucionais (até por causa do nosso tipo de Estado social). Os grupos financeiros ressuscitados pela democracia ficaram assim dependentes de dívida e do Estado. As exigências da regulação internacional, depois da crise de 2008, deixaram as suas fragilidades à mostra. A partir daí, era fatal: ou voltavam ao Estado, ou caíam em “mãos estrangeiras”. Mas quem quer perceber isto?

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR