Ao longo dos últimos meses tem-se discutido de forma acesa se os bares e as discotecas devem, ou não, reabrir.

De um lado, temos os empresários do setor que exigem igualdade para com os outros setores. De outro, temos quem considere que se vão tornar no principal foco de contágio. Nenhum tem razão e todos têm razão.

Não é um setor igual aos outros e, por isso, deve ser tratado de forma diferenciada. Com isto, quero dizer que é um setor que, ao dedicar-se exclusivamente (ou quase) à venda de bebidas alcoólicas, afeta a forma como os clientes se comportam, diminuindo a acuidade destes para a tomada de decisões conscientes e isso é um dado crucial quando se fala de uma crise sanitária.

Vivemos atualmente um período, em que se tenta educar a população para o cumprimento de uma série de normas de segurança, visando a contenção do vírus e, portanto, é natural a dificuldade em reabrir estes estabelecimentos sem conjugar estes dois fatores. A venda de álcool costuma implicar a existência de clientes embriagados e, neste estado, as pessoas tendem, evidentemente, a desrespeitar o distanciamento social, assim como o uso de máscara.

O exemplo de Londres deu-nos a lição do que não deve ser feito: não devemos reabrir nem os bares, nem as discotecas como eram. As medidas de contenção do vírus e as autoridades foram desrespeitadas, houve surtos atrás de surtos na noite. Não queremos o mesmo para Portugal, não queremos colocar os jovens no centro das cadeias de contágio. Contudo, não reabrir como eram, não significa que os bares e as discotecas se devem transformar em cafés ou salões de chá.

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Precisamos de definir bem a estratégia, como ela foi definida para os restaurantes, e atender à especificidade deste tipo de estabelecimentos. O mundo mudou e precisamos de mudar com ele, de nos adaptar. Ou estamos perante o fim deste setor?

Na passada quinta-feira, foi aprovada em Conselho de Ministros a resolução que permite a reabertura dos bares e discotecas, ficando estes sujeitos às mesmas regras que os cafés, pastelarias e salões de chá sem terem de alterar a sua classificação de atividade económica: encerram às 20 horas; podem utilizar o espaço exterior como esplanada e substituir a pista de dança por mesas. Como diria a Sra. Ministra da Cultura, decidiu-se que só haverá lugar a “drink de final de tarde”. Ao mesmo tempo, alargou-se o horário de funcionamento dos restaurantes até à uma da manhã (e a entrada de clientes até à meia-noite).

A meu ver, podemos perder o tempo que quisermos a pensar no fundamento desta decisão e não encontramos um único critério lógico para a imposição das 20 horas como hora de encerramento destes estabelecimentos. Funcionam durante o pôr do sol, da mesma forma que funcionariam pela noite fora. O cliente que pede uma caipirinha às 19 horas, podia fazê-lo três horas mais tarde com a mesma atitude. A diferença está, como disse, nas medidas propriamente ditas.

Não há qualquer evidência da relação entre as horas de encerramento e o aumento do número de casos de doentes Covid-19. Isto é gozar com quem trabalha ou tem negócios na noite. É espoliar a pouca atividade económica que estas empresas poderiam ter, obrigando a um horário reduzido sem um argumento válido. Aliás, os restaurantes vendem álcool depois dessa hora, os bares de praia estão lotados e são anunciadas festas que até têm autorização do Governo, como é o polémico caso da Festa do Avante. Porque razão se confia num partido político para organizar uma festa de grande dimensão e não se autoriza que os bares abram sem se tornarem pastelarias?

Que motivo leva o Governo a pensar, que um bar, encerrando às 20 horas tem condições para prevenir a propagação do vírus e depois dessa hora já não? Da mesma forma, podia ter questionado a aplicação deste critério para impor o anterior encerramento dos restaurantes às 23 horas. O critério para a redução de horário não tem qualquer coerência, não tem sequer explicação, e é por isso que agora vieram alterar as regras relativas ao setor da restauração, alargando o seu horário de funcionamento. O foco devia estar, antes, nas medidas de contenção do vírus.

Como frisei antes, é certo que um bar ou uma discoteca não podem funcionar como antes. Podemos, sim, arranjar formas de colocar a economia a mexer neste setor enquanto não existe imunidade de grupo, prevenindo a propagação do vírus com mecanismos já utilizados por outros setores (por exemplo: ocupação de 50 por cento do espaço e apenas em lugares sentados ou com separadores de acrílico) e medidas que limitem o consumo de álcool (exemplos: consumo de bebidas alcoólicas limitado por cliente, limite de tempo de permanência no estabelecimento), evitando os casos de embriaguez.

Podemos, até, pôr à prova a originalidade dos empresários, deixando que proponham ideias para adaptar os seus negócios a esta nova realidade,  obtendo autorizações de uma entidade competente para tal (imagine-se, a título meramente exemplificativo, que um empresário quer colocar cabinas individuais, devidamente distanciadas, no lugar da tradicional pista de dança e faz um pedido que poderia ou não ser autorizado pela entidade competente).

O primeiro passo nesse sentido, foi dado ao restringir as discotecas e bares a lugares sentados com o devido distanciamento. Pelo menos, esta é uma medida que permite o distanciamento, uma medida concreta de contenção do vírus. Já o horário de funcionamento e a equiparação a cafés e pastelarias deixam muito a desejar.

Espero que se venha a alterar esta decisão injusta e desproporcional, recorrendo aos peritos na área de saúde pública para determinar critérios que sejam – esses sim – válidos para aferir o modo como devem reabrir estes espaços.