A OCDE publicou há uns dias uma primeira avaliação dos efeitos esperados do coronavírus na economia mundial. Dado o nível actual de integração económica, estes efeitos irão reflectir-se em Portugal apesar de o nosso país não estar entre os que serão mais afectados. No relatório, a OCDE prescreve o aumento do investimento público para mitigar os efeitos da crise. Mas a experiência de 2009 aconselha a que os governos tentem perceber qual a situação específica do seu país e não embarquem na imitação de receitas que podem dar maus resultados.

A OCDE é muito provavelmente a instituição internacional que tem os economistas mais competentes. Apesar das projecções económicas não andarem muito longe da pura adivinhação, como em qualquer outra coisa em que o ser humano intervenha e se tente prever o que vai acontecer, os trabalhos da OCDE merecem sempre atenção porque é normalmente difícil arranjar melhor.

O cenário principal que a OCDE apresenta para os efeitos do coronavírus, depois de sublinhar a extrema incerteza que rodeia as perspectivas económicas, aponta para uma desaceleração do crescimento na economia mundial dos já historicamente fraquíssimos 2,9% em 2019 para 2,4% em 2020.

Este é o cenário a que eu chamo “prudente”, e que considera que não só o pior já passou na China como a evolução no resto do Mundo vai seguir uma trajectória semelhante ao verificado naquele país, mas em menor escala, ocorrendo o pico no número de casos durante o primeiro semestre de 2020.

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Neste cenário, os efeitos económicos negativos serão significativos mas passiveis de serem geridos, assentando na interrupção do funcionamento normal das cadeias de valor internacionais, especialmente as de nível regional que são as mais relevantes e importantes em dimensão, e na quebra de confiança que afectará o turismo, os mercados financeiros, o petróleo e o fornecimento de energia, as transacções de recursos minerais e agrícolas, e indirectamente outras actividades económicas.

Os países mais afectados serão os que estão mais integrados com a economia chinesa e localizam-se na Ásia. Entre estes, a OCDE destaca naturalmente os que são países membros, e que são os mais desenvolvidos naquela região, a Coreia do Sul, o Japão e a Austrália.

Passada a crise no primeiro semestre de 2020 regressam os problemas que a economia mundial já tinha anteriormente como o fraco crescimento económico, a desaceleração da produtividade, a política monetária que distorce o investimento, as tensões proteccionistas ou o excessivo endividamento de alguns países. Neste âmbito, a OCDE prevê que a economia mundial cresça 3,75% em 2021, o que seria uma aceleração significativa quando comparado com 2019.

O cenário secundário é mais grave pois assume que os riscos negativos se materializam. Este é o cenário a que eu chamo “optimista”, por mais contraditório que isso possa parecer. Neste caso a OCDE considera que a epidemia do Coronavírus será mais forte e que não atingirá o seu máximo antes do final do primeiro semestre de 2020, prolongando-se nos meses seguintes.

Os países mais desenvolvidos (e membros da OCDE) deverão ser fortemente atingidos, sendo os efeitos económicos negativos sentidos de forma semelhante na Ásia, na América do Norte e na Europa, incluindo também Portugal.

As previsões de crescimento da economia mundial apresentadas pela OCDE para este cenário apontam para uma diminuição para metade face ao que estava previsto antes do aparecimento do coronavírus, ou seja, para 1,5%.

Mas estas previsões parecem ser demasiado optimistas (as previsões dos economistas tendem sempre a ser enviesadas pelo optimismo associado à necessidade de gerir expectativas) porque assumem que os efeitos do vírus vão afectar seriamente grande parte da economia mundial, que está concentrada nas regiões economicamente mais desenvolvidas.

A verificar-se este cenário será difícil que os problemas que já afectavam a economia mundial, e especialmente alguns dos países mais desenvolvidos, não sejam seriamente agravados, prejudicando o comércio e o investimento a nível global. Como termo de comparação veja-se que a economia mundial caiu 2,6% no pior ano (4 trimestres seguidos) da crise de 2008-2009.

A enorme incerteza do momento impede que sejam feitas mais considerações, por isso a OCDE concentra-se também nas medidas a tomar para reduzir os efeitos económicos negativos da crise. Nesse sentido, aconselha medidas na área da saúde pública e políticas que facilitem os fluxos transfronteiriços de bens, pessoas e capitais, e restaurem a confiança dos agentes económicos, ajudando a manter os níveis de rendimento para que a procura recupere mais depressa.

As políticas macroeconómicas prescritas para mitigar os custos do coronavírus incidem especialmente ao nível fiscal, uma vez que no lado “monetário” a margem de manobra é reduzida. Para isso a OCDE propõe o aumento do investimento público em áreas como a saúde e outras, como o governo britânico agora anunciou no seu orçamento para 2020, mesmo considerando que os seus efeitos imediatos no funcionamento das cadeias de valor sejam reduzidos.

Mas há outra coisa que a OCDE refere e que é importante não esquecer. O aumento da despesa não deve colocar em perigo a sustentabilidade da dívida pública. A experiência de 2009 aconselha a que os governos tentem perceber qual a situação específica do seu país e não embarquem na imitação de receitas que podem dar maus resultados. Mais importante, que não apostem no “despesismo” como a solução para os problemas, gastando dinheiro só por gastar sem qualquer preocupação com a aplicação inteligente e adequada do dinheiro dos contribuintes.

Porque se isso acontecer “… uma infinita tristeza, uma funda turbação entra em mim, fica em mim presa. Cai neve na Natureza – e cai no meu coração”.

O texto reflecte apenas a opinião do autor