Na sessão internacional que antecedeu a abertura da XI Convenção do Bloco de Esquerda, algumas das principais figuras do partido insistiram no perigo que representa a “emergência rompante de populismos de extrema-direita”. Um perigo pluricontinental prontamente exemplificado como a subida ao Poder de Trump e Bolsonaro na América e de Salvini na Europa.

Para estes pensadores blocotrotskistas, o fenómeno atual representa uma antecâmara para o regresso do fascismo se a esquerda repetir as desuniões do passado. Um perigo iminente, pois “já tocaram os sinos”. Uma imagem que não deixa de ser curiosa pela inclusão de um elemento com evidentes conotações religiosas.

Na visão do Bloco de Esquerda, face à veemência da denúncia e do apelo, a esquerda – e, logicamente, o povo – só cairá no logro se quiser. A solução bloquista até justificaria uma revisitação do slogan marxista. Uma mensagem adaptada à conjuntura presente – esquerdas de todo o mundo uni-vos.

Há, no entanto, alguns «pormaiores» nesta posição do Bloco de Esquerda que justificam reflexão.

Assim, em primeiro lugar, convirá dizer que o Bloco de Esquerda que está a alertar para a ameaça populista é, também, um partido populista autoritário. Tal como o seu irmão e vizinho Podemos de Pablo Iglésias ou o outrora amigo Syriza.

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Uma situação que explica o facto de os intervenientes na sessão apenas terem identificado os perigos do populismo de direita. Omitiram – há esquecimentos muito bem lembrados – que o populismo é uma moeda de duas faces. Esqueceram-se de indicar os perigos decorrentes do exercício do Poder por parte do populismo de esquerda. Um esquecimento no mínimo esquisito tal a panóplia de exemplos – também pluricontinentais – que a História já documentou.

Uma omissão que traz à memória as palavras de Chantal Mouffe que, depois da morte do seu marido, Ernesto Laclau, passou a constituir a principal ideóloga dos partidos populistas de esquerda. Mouffe afirmou, em Lisboa, que a solução para travar os avanços do populismo de direita passava por apostar no crescimento do populismo de esquerda.

Como esta Convenção ocorre numa fase em que o Bloco de Esquerda sonha com a entrada, ainda que pela mão do PS, no Palácio do Poder, talvez convenha chamar à colação dois exemplos da História recente e que se prendem com os dois partidos populistas atrás mencionados.

O primeiro tem a ver com o Podemos e aconteceu quando o então número dois do partido, Iñigo Errejón, defendeu que o partido procurasse “compromisos y respetabilidad desde su trabajo institucional”. O líder, Pablo Iglésias, foi célere na recusa e insistiu que o Podemos deveria continuar com “una pata en las instituciones pero la cabeza, los brazos y la otra pierna en la calle”. Mais frisou que essa seria a estratégia a seguir até à chegada ao Poder. Palavras que apontam para a alteração de postura uma vez no Governo.

Ora, o segundo exemplo prende-se com isso mesmo e tem o Syriza como personagem central. De facto, depois do ufanismo desafiador e bacoco e das alterações semânticas de Varoufakis, Alexis Tsipras foi obrigado a render-se à realidade e a aceitar um terceiro resgate. Uma alteração que, como foi amplamente provado, a esquerda portuguesa não aceitou.

Uma demonstração da diferença que separa o discurso dos populistas – de esquerda e de direita – enquanto na oposição e a sua praxis governativa.

Quanto à denúncia de uma hipotética concertação global das forças populistas de direita para governarem o Mundo não passa de mais uma invenção do populismo de esquerda. Uma teoria da conspiração. Um novo mito global.

Professor de Ciência Política