Um nascimento de um filho é — seguramente! — um momento mágico. Um dos raríssimos momentos em que tudo aquilo com que sonhámos fica aquém daquilo que acontece. Não porque um nascimento seja indolor, se dê sem sobressaltos ou porque seja sempre idílico. Não porque uma mãe não se sinta assustada ou, apesar todo o apoio, não haja vários momentos do trabalho de parto em que se sinta muito sozinha. Não porque tudo se dê sem um incidente pequenino (daqueles que, mais tarde, dão uma historieta, que se guarda para sempre). Não porque entre o bebé nascer e a mãe o ter de volta aos seus braços não passe, quase sempre, tempo demais. Mas porque, apesar de haver muitos pormenores que saiam fora de tudo aquilo com que se sonhou, quando um bebé e a mãe se olham, aquele preciso momento, é (mais que o nascimento obstétrico, na verdade) o “momento-zero”. Aquele em que nascem um para o olhar do outro. Aquele que marca “um antes e um depois de Cristo” nas suas vidas. Como se tudo aquilo que ela viveu até aquele momento começasse a contar (agora, doutra maneira) a partir daí.

Quando uma mãe tem um filho, pela primeira vez, nos seus braços sente-se quase tão pequenina como ele é. E, ao mesmo tempo, quase Deus. Ele pode ser, de certo modo, o seu “menino Jesus”. E ela, quase à mesma dimensão do seu bebé, pode sentir-se muito perto do minúsculo, tal é a forma como, num flash, entende tudo aquilo que, desmedidamente, se espera dela. Mas, ao mesmo tempo, o seu bebé é “o seu bebé!”. E é como se tudo o que imaginou fosse quase nada ao pé da sensação de poder ter o melhor de si, fora de si. Transformando-o no raro privilégio de dar um nome e uma forma ao seu amor. Que, a partir daquele momento, parece não ser só um sentimento mas soltar-se de si e passar a ter, para sempre, uma “figura de gente”.

É verdade que a gravidez, o parto e a relação precoce com um bebé estão longe de ser sempre cor-de-rosa. E que, o parto e os primeiros meses da relação de um bebé têm mãe e mais mãe e, muitas vezes, pouco pai. É verdade que isso amarfanha o coração. Mas, apesar dessas dores que se acumulam, o bebé “segura” a mãe; tanto como ela lhe dá colo. Nesse amor infindo, todos os segundos (sobretudo, os mais pequeninos) do início da vida de um bebé pesam na forma como a mãe abre o seu coração e transforma cada um dos seus gestos em maternalidade. Duma forma tão, estranhamento, intuitiva e tão “natural” que há quem ache que isso só possa ser, simplesmente, instinto. Instinto maternal.

Acontece que o covid, o confinamento social e a quarentena trocaram as voltas aos bebés. E, de repente, muitas mães tiveram de dar à luz sozinhas. Sem o pai a participar no parto e sem que pudesse aconchegar em si a mãe e o bebé. Sem o pai poder ver o bebé! Sem os poder tocar. Sendo o bebé separado da mãe. E sem que ela o amamentasse. Quando, para mais, já antes do parto, a mãe passou a ir sozinha ã consulta de obstetrícia. Começando a preparar-se, numa solidão injusta, para todo um conjunto de cuidados com que nunca (nem nos piores pesadelos) ela sonhou.

É verdade que, num primeiro momento, muitas equipas de obstetrícia e de neo-natologia, apanhadas pelo furacão da quarentena, tentaram, acima de tudo, proteger. É verdade que muitas delas se viram sem o equipamento de protecção indispensável e sem normas claras que as guiassem e as protegessem. Mas é, também, verdade, que uma gravidez com o fantasma do covid a insinuar-se a todo o momento atormenta e “corrói” o coração da mãe como o do pai. E que proteger um bebé da sua mãe é o que mais contraria aquilo que uma mãe mais deseja para si. E que ver-se sozinha, em todos os momentos de um parto, é o que mais a faz sentir-se desamparada e só. E que privar um bebé de sentir, de ver e de cheirar a sua mãe é aquilo que mais o assusta. E que privar a mãe de ser a guardiã do seu bebé é tirar-lhe o que de mais precioso mais a transtorna em mãe. E privá-la, para mais, de o amamentar, é como se ela não só não fosse nutriente, o quanto baste, mas, pior, como se o mais fundo do melhor de si fosse pernicioso para o bebé. Como se pode dizer a uma mãe e a um bebé: “afastem-se mas liguem-se”? Ou ao pai, diante de um e doutro: “quanto mais assustados mas vinculados”? E como se pode dizer a todos eles: “criem laços mas mantenham-se à distância”?

Os bebés deste período tenebroso de covid 19 — os bebés covid — são crianças que, mais que todas as outras, não mereciam tamanhas “maldades”. E as suas mães, sobretudo as suas mães, também não! É claro que ter um bebé vivo e livre de uma infecção é, já de si, uma vitória heróica. Mas o parto e o primeiro mês de vida de um bebé são tão preciosos para todos que é indispensável e é urgente que, de forma clara, haja regras (que não podem, hoje, ser umas e, logo depois, outras, diferentes) que, protegendo-os a todos, não tirem os bebés das suas mães, as mães de todos os momentos do seu bebé, e o pai de um e de outro. Para o bem de cada um. E para que todos possam “nascer” uns para os outros sem barreiras.

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