Ao transformar o seu território numa zona de passagem para a Europa de emigrantes do Afeganistão, Síria, Iraque, etc., o ditador bielorrusso Alexandre Lukachenko persegue vários objectivos: ganhar dinheiro, dificultar a vida à União Europeia na sua já difícil tarefa de enfrentar várias ondas de emigração e apresentá-la como comunidade desumana e alheia às vítimas da fome e da guerra.

Ontem, segunda-feira, numerosas centenas de emigrantes ilegais foram enviados pelas autoridades bielorrussas para as fronteiras contra a Polónia e a Lituânia, o que certamente irá deteriorar ainda mais a já grave situação existente nessas zonas. Tropas bielorrussas empurram milhares de pessoas para as suas fronteiras com esses dois países, obrigando-os a fechar as suas fronteiras.

“Semelhante passo de desespero dos refugiados foi provocado pela atitude indiferente e desumana das autoridades polacas. A parte bielorrussa toma as medidas necessárias para garantir o funcionamento contínuo dos canais de ligações internacionais, bem como a segurança das pessoas que avançam pela autoestrada” – lê-se num comunicado dos Serviços Fronteiriços da Bielorrússia.

Ganhar com os refugiados

Poder-se-ia pensar que Lukachenko está a realizar um acto de humanismo face a este grave problema, mas, na realidade, trata-se de uma vingança e de uma componente da “guerra híbrida” entre a Rússia e a Bielorrússia, por um lado, e a União Europeia por outro.

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A primeira pergunta que se coloca é como estes refugiados entram na Bielorrússia se ela está longe dos países de origem deles? Através de um esquema que traz dividendos financeiros ao governo bielorrusso. Os refugiados entram livremente no país com um visto turístico passado numa embaixada bielorrussa, por exemplo, em Bagdade. Para que o visto seja passado, o viajante tem de adquirir uma estadia de uma semana em hotéis de Minsk e deixar uma elevada caução na agência de viagens que é paga à Bielorrússia caso os “turistas” não voltem a casa, o que praticamente nunca acontece. Além disso, o fluxo “turístico” aumenta de tal forma que as companhias aéreas iraquianas e bielorrussas têm vindo a organizar novos voos.

Vingança serve-se fria

O dirigente bielorrusso colaborou com a União Europeia na travagem do fluxo migratório até ao verão de 2020. Porém, Bruxelas não reconheceu a sexta reeleição de Lukachenko presidente da Bielorrússia e decretou uma série de sanções económicas e políticas contra Minsk. Ele reagiu abrindo as fronteiras do seu país à passagem de refugiados principalmente rumo à vizinha Lituânia, pequeno país da UE que deu asilo político à líder da oposição Bielorrússia, Svetlana Tikhanovskaya, e a outros adversários políticos do ditador. Se durante todo o ano de 2020 as autoridades lituanas detiveram 90 imigrantes ilegais, esse número subiu para 800 no início de Julho de 2021 e para 3145 no fim desse mês.

A situação agravou-se de tal forma que a Lituânia se viu obrigada a construir uma barreira de arame farpado de quase 700 quilómetros na fronteira com a Bielorrússia e a decretar o estado de sítio na região fronteiriça.

Mas a fúria de Lukachenko aumentou quando a UE anunciou novas sanções por as autoridades bielorrussas terem obrigado a aterrar em Misnk um avião da Ryanair para deter o jornalista da oposição bielorrussa, Roman Protasevitch, que seguia a bordo.

Desta vez, a ira do ditador virou-se contra a Polónia, país vizinho onde estão refugiados também numerosos opositores bielorrussos.

“Nós travávamos narcóticos e migrantes, mas agora terão de ser vocês a comê-los e a apanhá-los”, declarou Lukachenko nessa altura, acrescentando: “Hoje, eles [países do Ocidente] uivam: ai, os belorrussos não nos defendem! Milhares e milhares de migrantes ilegais dirigem-se para a Lituânia, Letónia e Polónia… Gostaria de perguntar: mas estão loucos? Vocês desencadearam uma guerra híbrida contra nós e exigem que vos defendamos como antes?”

Numa situação como esta, a UE, sem renunciar aos seus princípios humanistas, não deve ceder a chantagens de ditadores como Lukachenko ou Vladimir Putin e reforçar as suas fonteiras externas. Aqui é indispensável frisar o nome do presidente russo, pois, como se torna cada vez mais evidente, o primeiro é cada vez mais um fantoche nas mãos do segundo, nomeadamente na “guerra híbrida” que mantém contra a União Europeia. Com esta crise Putin pretende criar novas brechas na União Europeia e preparar terreno para o aumento das forças da extrema-direita na UE.

PS. Uma coisa me intriga. A extrema-esquerda está muito “preocupada” com o ambiente, atirando para cima do capitalismo todas as culpas. Mas será que a República Popular da China, de longe o país mais poluidor do planeta, já é para ela um “país capitalista”?