Em Janeiro de 2018 Catarina Martins declarava ao Observador:  “O BE não é “extrema-esquerda”. Essa designação não faz sentido”. Está associada a totalitarismos, a perseguição, a ódio [reconheceu].” “[…] não encontram absolutamente nada disso no BE.” “É um insulto que não tem nenhuma razão de ser”. E acrescentou:   “[…] Agradam-me definições como esquerda radical, que fazem a diferença [relativamente aos] partidos socialistas tradicionais, que ainda por cima com a Terceira Via aderiram ao liberalismo económico”. “Esquerda radical tem a ver com a raíz da esquerda, a raíz das lutas e, portanto, tem todo o sentido”.

Pouco mais de um ano depois, segundo fontes fidedignas (não a ouvi nem li),  a mesma Catarina Martins afirmou que o BE se identifica com a social democracia.

Como o tempo foi muito pouco para ocorrer tal evolução, do que aparentemente se trata é de uma “conversão”. Termo que em si não surpreende se tivermos presente o som, o tom e o o gesto da ideologia em causa.

Mas já Francisco Louçã revelara muito antes essa “conversão”  aparentemente surpreendente. Na coluna que então assinava no Público, criticou Paulo Portas por este ter comparado a eficácia da escolha do Papa por um seleccionado e restrito sínodo de bispos às frequentemente  desastrosas escolhas  por sufrágio universal da democracia.

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Uma suposta  ironia de Portas serviu assim a Louçã para defender a democracia-liberal, a que antes chamava “burguesa”, e que ele próprio e a sua “esquerda radical” (uso a designação que CM, então ainda não social democrata, disse preferir) sempre fizeram tudo para que não funcionasse.

Na mesma linha de “conversão” ou novidade, Chantal Mouffe, a ideóloga do France Insoumise do ultra “radical de esquerda” Melanchon, do Podemos e porventura do BE, veio teorizar e propor um “populismo de esquerda”*! Populismo para ser realizado na democracia-liberal, identificado com ela.

Estamos, portanto, perante demasiadas “conversões” até há bem pouco tempo inimagináveis. Conversões que o “albergue espanhol” de “radicalismos de esquerda” que o BE é surpreendentemente vem comungando.

“Conversões” para quê e porquê? Para chegarem ao poder. E para atingir tal  desígnio todas as “conversões” parecem valer, mesmo as ideologicamente mais humilhantes.  Agora até um “eco-socialismo”, espantosa assumpção e rectificação expiatórias da hecatombe ambiental produzida pelo socialismo soviético e maoísta, nunca antes reconhecida.

E porquê? Por terem percebido que no quadro da realidade europeia, o poder só pode ser conseguido através do voto. E julgarem que isso está ao seu alcance.

Henri Weber, ex-trotskysta emigrado para o PSF, lembra num livro de memórias recente  a resposta  despreocupada de Miterrand quando lhe referiram com preocupação o grande número de trotskystas debandados da Liga Comunista Internacionalista que entraram no Partido Socialista, mesmo  nas suas instâncias dirigentes, Leonel Jospin e Moscovici, designadamente: “Os trotskistas têm a vantagem de serem bem organizados, bem estruturados intelectualmente. E a particularidade  interessante de gostarem e saberem malhar no PC.””Vêm  para converter os socialistas?  Acenem-lhes com  uma eleição para vencer e não resistem, logo verão  a diferença entre o que pensam e o que as pessoas pensam”.  Moralidade, conclui Weber, os trotskistas são excelentes social-democratas!

Acontece que o nosso BE trotskista tem vindo a cheirar o perfume inebriante do poder.

Mas de repente surge-lhes uma pedra no caminho: pim, PAN, PUM!  Pum se o PAN controlar por uns dias as suas excentricidades.

Se o Partido Socialista para ser Governo na próxima legislatura tivesse de fazer um qualquer acordo com o BE e o Partido Comunista, os próximos quatro anos seriam trágicos para o País. Particularmente com a crise internacional que aí vem.

Uma subida do PAN  na atracção dos votos de protesto e rejeição que encheram antes o BE e o encheriam ruidosa, irresponsável, perigosamente mais, será  caso, portanto, para citar  o verso de Holderlin: “Onde surge o perigo nasce  a  salvação”.

Ou assistiremos, surpresa saída da cartola, a um entendimento inesperado, de várias, nem todas inocentes,  conveniências?

*Chantal Mouffe, Un Populisme de gauche, Paris, 2018, edição portuguesa da. Gradiva, Abril de 2019.