Primeiro levaram os negros; Mas não me importei com isso; Eu não era negro;
Em seguida levaram alguns operários; Mas não me importei com isso; Eu também não era operário;
Depois prenderam os miseráveis; Mas não me importei com isso; Porque eu não sou miserável;
Depois agarraram uns desempregados; Mas como tenho meu emprego; Também não me importei;
Agora estão me levando; Mas já é tarde. Como eu não me importei com ninguém; Ninguém se importa comigo
(É preciso agir de Bertold Brecht (1898-1956))

Foi há uns poucos dias que se celebrou mais um 25 de Abril. Festa estragada pelo Chega que não suporta o que, nas palavras de António Costa se homenageia nesse dia: a liberdade! Mas é mesmo o Chega o perigoso inimigo da liberdade? Pensem duas vezes.

Com efeito, entre o que diz o Primeiro Ministro e o que faz o governo, não bate a bota com a perdigota. Quando temos um governo que proíbe pessoas saudáveis de sair de casa porque circula um vírus, que promove a discriminação entre cidadãos com ou sem uma vacina facultativa, que impede crianças mas não cães de ir ao parque, que quer vedar florestas em dias quentes, que se propõe a vigiar o que cada um escreve em redes sociais, ou que pretende arrendar coercivamente casas particulares? Usar a palavra liberdade tem um nome: hipocrisia.

São coisas típicas, isso sim, de países vergados a poderes ditatoriais, lembrando a “Grande Missão Vivenda” ou a censura da comunicação social venezuelanas. Mas há muitos mais aspetos comparáveis, dos sucessivos aumentos do salário mínimo ao controlo de preços sobre bens essenciais, passando por alunos sem aulas ou o caos no sistema de saúde. Até os governantes presos por corrupção ou as carroças de cães como transportes públicos têm paralelo com os escândalos mês sim mês sim, desde que este governo tomou posse, ou com os barcos comprados sem baterias, comboios fora de prazo, etc., etc.

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Os venezuelanos deixaram-se dormir e como o sapo, foram cozinhados vivos. E nós? Vamos acordar a tempo? Ou como a água aquece devagar, não nos importamos até ao dia que já é tarde?

A novidade da semana são as novas proibições ao tabaco. A maioria das pessoas não fuma. Logo, que se lixe a liberdade alheia. Perigoso, muito perigoso, porque a temperatura sobe e continuamos a dormir. Tem cabimento argumentar que as intenções são boas? Não, porque como nos diz a sabedoria popular, de boas intenções está o inferno cheio. Ah, mas a saúde é um direito. Ok, esmiucemos então o que isso significa:

  • É certo que o artigo 64.º da Constituição da República Portuguesa (CRP) assegura o direito à saúde e impõe o dever de a preservar. Todavia, tal obrigação tem como objeto a saúde pública, não a privada. Ninguém é obrigado a manter-se a si próprio saudável, já que num Estado de Direito Democrático o indivíduo não pode deixar de ser dono de si próprio – quer beber? Bebe; quer fumar? Fuma; quer comer fritos ou açúcar? Come… Desde que não afete a saúde de terceiros, ninguém tem nada a ver com isso.
  • Então, apenas e só, quando isso está em causa o Estado pode intervir. Isto porque a nossa CRP não inviabiliza a possibilidade de restrições (art. 18.º) mas disciplina tal possibilidade (art. 19.º). Sim, a saúde é um direito, mas direitos há vários, daí que entram em conflito uns com os outros – exemplos não faltam da pandemia, em que o direito à saúde atropelou outros como sejam o Direito de deslocação (art. 44.º), o Direito de reunião (art. 45.º), o Direito ao trabalho (art. 58.º) ou o Direito à iniciativa privada e autogestionária (art. 61.º).
  • Pelo que, quando assim é, nenhum direito pode ser tomado como um direito absoluto (e tivemos muita gente – médicos, jornalistas, políticos, etc – a julgar que sim), antes deve ser tudo pesado para que possam… Conviver. Algo a que se fez vista grossa, numa conduta que a justiça, sentença após sentença, nos tem lembrado que foi… Ilegal.
  • Mesmo que não estivesse tinha que ser respeitada e não foi, mas… A CRP está certa, é mesmo o governo que está errado. Isto porque, admitir o oposto é abrir mais uma porta ao paternalismo que facilmente descamba em totalitarismo. Admitir o contrário é pôr em causa todo o edifício de Direitos Humanos, bem como o nosso ordenamento jurídico, assente no respeito pela dignidade humana (art. 1.º), logo no Princípio da Liberdade.

Ora se a intenção persegue algo bondoso, a saúde, vale a pena olharmos ao que diz ainda a Declaração Universal de Direitos do Homem (à luz da qual a nossa CRP deve ser interpretada – art. 16.º) no seu artigo 25.º: “Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar”.

Percebem qual é o drama disto tudo? O drama está no nível de vida dos portugueses, que estagnado há mais de duas décadas, se tem aproximado cada vez mais da cauda da Europa. Não Sr. Primeiro Ministro, não há inveja em ver os outros andar para a frente, há é lamento que nós estejamos parados. O que precisamos é melhor vida para os portugueses, não de medidas intolerantes e radicais que atentam contra a mais básica concretização de liberdade: o direito de opção. Esse perigo para a liberdade não vem do Chega, vem do Largo do Rato. E, já agora, vem também, ainda mais radical, em tons laranjas, o que não é bem uma novidade já que aquando da pandemia, o PSD ainda exigia mais ilegalidades e afrontas à CRP e aos Direitos Humanos, sendo agora desafiado para radicalizar ainda mais a proposta (li por aqui que até no nosso carro se quer tal intromissão… Não chegou o outro ser multado por comer uma sandes?).

Sr Presidente da República, saberá sua excelência zelar pela CRP após ser conivente com os seus atropelos? Conseguirá alguma vez perceber que não é de estabilidade que precisamos, é de um abanão, é de acordar? Ou vai cair de (Nicolás) Maduro?