A saída de cena de Boris Johnson – Borexit – está a conhecer contornos difíceis de enquadrar na normalidade da vida política de um país habitualmente apontado como referência da democracia representativa. De facto, se num primeiro momento, a moção de censura visando a demissão de Boris Johnson encontrou cabal justificação face ao desaforo de um primeiro-ministro que se permitiu dar festas durante a pandemia e ousou mentir, inclusivamente à rainha, o processo que se seguiu já é de mais difícil enquadramento democrático.

Assim, era regulamentarmente expectável que, após sobreviver à moção, Boris Johnson tivesse direito a tréguas do seu partido durante um ano. Só que, perante mais um desmando do primeiro-ministro ao nomear para o Governo um deputado que sabia responsável por assédio sexual, uma onda de demissões invadiu o número 10 de Downing Strret e precipitou o Borexit. Uma hipótese para tudo voltar à normalidade, mesmo descontando o desconforto de muitos daqueles que preferiam que Boris deixasse de imediato o posto e entregasse interinamente as rédeas do país e do partido.

Porém, o órgão ao qual está cometido o processo para a substituição do líder demissionário – o Comité 1922 – resolveu que ainda não era chegado o momento para o regresso à vida habitual. Daí alterar as regras do anterior ato eleitoral. Assim, decidiu que a cada candidato à liderança não bastaria o apoio de oito, mas sim de vinte deputados. Resolveu, ainda, que na primeira votação fosse eliminado quem não conseguisse trinta votos e não os dezoito correspondentes aos 5% da eleição anterior e dispensou os 10% de uma segunda votação, passando de imediato para a eliminação do candidato com menos votos em cada votação.

Como é bom de ver, a primeira decisão limitou grandemente o número de candidatos, pois apenas oito deputados lograram os vinte apoios requeridos, tendo a segunda decisão levado à eliminação de dois deles – Jeremy Hunt e Nadhim Zahawi – antes de a primeira jogada de bota-fora excluir Suella Braverman e deixar em jogo apenas cinco candidatos. São esses resistentes que tudo farão, cada um deles alimentando a esperança de ser um dos dois finalistas na fase em que a escolha sairá do Parlamento e descerá às ruas, ou seja, aos militantes do Partido Conservador. Uma decisão que, ao contrário do que aconteceu no ato que levou Theresa May ao Poder, será obrigatoriamente tomada pelos militantes, uma vez que, desta vez, o Comité 1922 não aceitará a desistência de um candidato finalista.

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Ora, vários desenvolvimentos do processo em curso mostram que a expressão «tudo farão» deve ser tomada em sentido real. Assim, quase todas as candidaturas parecem mais interessadas em chamar à colação os aspetos negativos dos outros candidatos do que em valorizar as propostas próprias. Se, na fase inicial, Nadine Dorries, apoiante de Liz Truss, não se coibiu de acusar a candidatura de Rishi Sunak de ensaiar uma estratégia que passava pelo desvio de votos próprios a favor de Jeremy Hunt, o candidato que queria defrontar na fase final, o desaparecimento de cena de três candidatos abriu espaço para outras situações dificilmente enquadráveis nas baias éticas. Como, por exemplo, quando Lord Frost apelou publicamente a Kemi Badenoch, para desistir a favor de Liz Truss em troca de um “serious job” no Governo se Truss vencer a corrida eleitoral.

Face ao exposto, é bem provável que, aproveitando os três dias de intervalo, surjam outras propostas, ainda que sussurradas ou feitas em segredo. Um lugar na votação final tudo justifica, pois a ética da convicção, assente em valores, já conheceu melhores dias junto de uma fatia considerável do eleitorado conservador. Aquele que vai entregar a chave de Downing Street a um destes três candidatos: Rishi Sunak, Penny Mordaunt ou Liz Truss, depois de os jogos de bastidores deixarem pelo caminho os restantes e a corrida ficar reduzida a dois.

Não parece abusivo concluir que o atual processo não ficará apenas na História pela circunstância que decorre da existência de um número tão elevado de candidatos cujo tom de pele não deixa dúvidas sobre a multiplicidade étnica da população inglesa na atualidade. Bem mais provável é que aponte para a inexistência de uma relação direta entre a ética e a cor de pele.