Artigo actualizado com uma adenda publicada às 14h00

Nestes últimos dias, passei imenso tempo a ver os debates da Câmara dos Comuns, em Inglaterra. Primeiro, por causa da votação do acordo obtido por Boris Johnson em Bruxelas e, a seguir, por causa da marcação de eleições antecipadas. Lutando contra todas as dificuldades, Boris parece ter ganho, nos dois casos, de forma conclusiva, depois de três anos de debates sem fim desde os tempos de Theresa May, com cisões no próprio partido e a oposição procrastinadora dos trabalhistas, comandados pelo inenarrável Corbyn. Empurrado pela decisão dos Liberais-Democratas e do Partido Nacional Escocês de apoiarem as eleições a 12 de Dezembro, Corbyn lá decidiu finalmente apoiá-las também. Dadas as sondagens, que apontam para uma derrota muito expressiva do Labour, foi, nas palavras de um deputado trabalhista, como se o peru tivesse votado no Natal.

Este tempo todo de debates sobre a saída da União Europeia não gerou uma extraordinária admiração pelos trabalhos parlamentares, em Inglaterra e fora dela. Para mais, o Brexit, resultado do referendo de 2016, é apresentado como um dos mais acabados exemplos da uma “deriva populista” que teria tomado conta deste nosso mundo, minando a arquitectura do chamado “projecto europeu”. Longe de mim a ideia de me pretender perito no capítulo, até porque a especialização nestas matérias, a cargo dos defensores a todo o custo da União Europeia, conduz palpavelmente a estados de espírito maníaco-depressivos: num dia o progresso é radioso, no dia seguinte são só negras nuvens no céu que nos cobre. Mas constato, com a máxima neutralidade possível, que a velha exigência de soberania, para quem a experimentou de maneira não puramente nominal, permanece viva e é preciso tê-la em conta. Nunca se ganhou nada em fingir que as paixões humanas – e a soberania é uma paixão — podem ser alegremente despachadas da política em nome de uma ordem supostamente racional e muito certinha. E constato também que toda a confusão destes últimos três anos não se deve apenas a uma forma de loucura tipicamente britânica, mas também, e sobretudo, a uma dificuldade resultante da própria coisa, a saber: dos constrangimentos inéditos que o “projecto europeu”, quaisquer que sejam os seus méritos e deméritos (e, se sou sensível aos segundos, também estou consciente dos primeiros), coloca à vida das nações.

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