É muito raro eu responder às pessoas que intervêm na internet a fim de comentar as minhas crónicas. Peço licença para abrir uma excepção por dois motivos. Primeiro: verifica-se que a situação política brasileira divide os leitores de forma excessivamente passional, em particular no que diz respeito à eleição presidencial a decorrer neste momento no Brasil. Segundo: a linguagem usada por alguns intervenientes, neste como noutros casos, é demasiado ofensiva para que o cronista não sinta necessidade, por vezes, de restabelecer os factos perante o chorrilho de «fake news» que enche a internet. Pode-se discordar; não se deve recorrer à ofensa.

Perante a minha referência ao papel que as manifestações espontâneas de 2013 tiveram no Brasil, assinalando o princípio do fim governamental do PT, um comentador com o pseudónimo de «Rasputine» declarou que «o autor (eu) não pode ser mais falso», pondo em causa o carácter espontâneo dessas manifestações e, em abono disso, citando um longo link que eu segui mas não me levou a lado nenhum…Noutro comentário, o mesmo «Rasputine» afirma que «o autor mente grosseiramente» quando afirmei que Lula e o PT, desde que tomaram o poder em 2003, mudaram completamente a sua base eleitoral dos estados desenvolvidos do Sul do Brasil (o primeiro foi o Rio Grande do Sul nas presidenciais de 1998) para os estados pobres do Nordeste. Esta completa mudança da base do eleitorado do partido deveu-se, como escrevi, à difusão generalizada do «Bolsa Família» demonstrada há mais de 10 anos. A isto chama-se clientelismo de massas; não lisura de processos, muito menos à luz das pretensões do PT à transparência!

Outro indicador do ódio instalado na vida política brasileira, como sugeri em «O Brasil a ferro e fogo», reside na condenável afirmação do comentador que escreveu: «A encenação de atentado contra Bolsonaro só teve um objetivo: o de legitimar uma intervenção militar»! Ora, como agora se sabe, a facada contra Bolsonaro vai impedi-lo de fazer campanha e arrisca-se, no limite, a precipitar a sua morte. Se isto viesse a confirmar-se, o Brasil não escaparia a uma violência maior ainda do que aquela que já está a sofrer! Não à toa que um cronista internacional pede uma «bandeira branca» para pôr termo ao conflito.

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Encerrado este episódio dos comentários sem graça nenhuma, regressemos ao Brasil que conheço. Uma semana depois, os dois principais candidatos estão, por motivos diferentes, fora de combate. Bolsonaro, mesmo que sobreviva, poderá chegar ao segundo turno mas já não parece ter hipótese de ser eleito. Pelo seu lado, como era previsível, Lula foi impedido de se candidatar pelos juízes. Já quando ele foi condenado opinei aqui que as provas de corrupção apresentadas eram pouco convincentes e, sobretudo, que um delito como aquele não justificava uma pena de 12 anos e a imediata prisão de um antigo presidente da República. Pelo contrário, uma condenação dessas só podia ser contra-producente, encarniçando os «petistas» destronados contra uma oposição partidária pulverizada.

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Uma década e tal de corrupção ao nível mais alto de responsabilidade política, a corrida presidencial está entregue a um universo fragmentado de figuras de segundo plano que não têm, no caso de uma ou um deles ser eleito a 28 de Outubro, a mais remota possibilidade de constituir um «bloco» coerente de senadores e deputados federais susceptível de apoiar um programa de medidas de normalização política e de arranque económico.

Nem o PT conseguiu fazê-lo duradouramente, mesmo corrompendo os sócios, quanto mais candidatos sem dimensão presidencial, como Fernando Haddad, antigo prefeito de S. Paulo apadrinhado por Lula, que está nos 13% das intenções de voto, segundo as últimas sondagens, mas que ainda poderá chegar ao segundo turno e, quem sabe, ser eleito presidente.

Além de um Haddad sem carisma, vindo da Universidade de S. Paulo para conquistar o voto do Nordeste, os outros três «challengers» de um Bolsonaro esfaqueado, são um político nordestino aparentado à «esquerda» com bastante treino, Ciro Gomes, que chegou a ser ministro de um gabinete Lula, com idênticos 13% de intenções de voto; Marina Silva, antiga ministra do Ambiente em ruptura com Lula por causa da predação da Amazónia consentida pelos governos brasileiros, e hoje líder da Rede Sustentabilidade, com 9%; e finalmente o candidato indicado pelo PSDB, Geraldo Alckmin, actual governador do Estado de S. Paulo, também com 9% de intenções, que parece já afastado do segundo turno…

Seja como for, nenhum deles, o hipotético Bolsonaro incluído, tem qualquer condição para armar um «bloco» presidencial num Congresso reduzido a fragmentos de partidos desencontrados, como aliás tão pouco Lula teria. E muito menos terá força para impor aos múltiplos partidos, incluindo o seu, bem como à opinião pública, uma reforma global do sistema constitucional brasileiro de forma a viabilizar, eventualmente, uma efectiva democracia presidencial, representativa e funcional.