1. Escrevo estas notas, breves mas não leves, no decurso de dois acontecimentos que encenaram o dia de hoje e que embora de natureza muito diferente, deixarão marca.

Cá dentro e lá fora. Sejam quais forem as suas consequências, de um modo ou de outro, elas pesarão sobre os dias. E por isso, sobre todos nós.

2. A hora a que redijo este texto, hoje, terça feira de manhã, as nuvens adensam-se sobre o céu catalão, céu fechado sobre o desastre. A inconstitucional cavalgada das autoridades catalãs põe em sentido qualquer ser normalmente constituído. Todos os erros políticos foram cometidos numa direcção de sentido único que é uma sombria incerteza. (Não há livro de instruções porque não existem referências históricas, nem exemplos nem precedentes de como agir ou que fazer). O mundo reteve porém que a Espanha soube estar a altura do que significa — e simboliza — o gesto abrupto de Puigdemont e dos seus pares, e usou de sabedoria na resposta que deu: unindo-se contra o desvario. Um não forte e claríssimo. Sectores sempre tão sensíveis como a rua ou a media por exemplo, recusaram a manipulação e a paixão, usando quase que a uma só voz a recusa política a um imprevisivelmente perigoso estado de coisas. Um exemplo em tempos disconformes, onde o conceito de nação anda esmorecido.

Dada a história de Portugal, os seus suados oitocentos anos de vida, a sua posição geográfica, os seus interesses estratégicos, as suas gritantes necessidades económicos, esperava-se entre nós reação idêntica: que não houvesse margem para dúvidas que o país recusava “aquela” independência. Para meu grande espanto não foi assim. Com alta leviandade e alguma ignorância, previlegiou-se o ar do tempo, enfeitado de (supostos) bons sentimentos e frases de efeito, em vez de atender ao essencial que seria, a curto prazo, a muito previsível irrelevância de Portugal num quadro federativo ibérico. É difícil negar ou sequer não ver que caso a Catalunha se tornasse verdadeiramente independente, no dia seguinte o país e os portugueses transformar-se-iam, automaticamente, numa pequena região da Península Ibérica. Em vez de permanecermos o que sempre fomos desde há muito séculos: uma nação independente, com as mesmas fronteiras, a mesma língua, a mesma identidade, o mesmo povo.

Todo o dia de hoje — e ontem, e anteontem….– ouvi falar de “divisões” em Barcelona e na Catalunha. A palavra é óbvia – claro que há divisões –, mas é também cómoda e sobretudo ardilosa. Convinha sublinhar o desequilíbrio não só numérico como de vontades, entre tais divisões; lembrar como o processo está desde o seu início anticonstitucionalmente armadilhado contra a integridade do Estado espanhol; relembrar que a divisão começou por ser semeada e adubada pelo lote de ilegalidades cometidas pelo governo de Puigdemont. Havia certamente maneira mais engenhosa de alertar Madrid para os estados de alma de uma percentagem de catalães. (E também havia meios melhores e instrumentos mais adequados para lidar com os alçapões e as arestas deste processo, do que a eleita pelo governo espanhol.)

E finalmente e voltando ao início desta “sale histoire” paremos por momentos na desarmante parcialidade com que foi votada a decisão do referendo, ou — voando sobre outros artifícios pouco sérios – no anúncio, previsto para terça-feira à tarde, da declaração unilateral da independência catalã.

PUB • CONTINUE A LER A SEGUIR

Serei testemunha de um golpe de Estado moderno quando logo à tarde me sentar diante da televisão e assistir a ele em directo e ao vivo?

3. No plano interno, a intenção de Pedro Santana Lopes se candidatar a liderança do seu partido, caso se concretize mesmo, é uma notícia. Pelo seu passado no PSD , o seu currículo político, a sua história no país, Santana Lopes não é qualquer pessoa. Há boas e más recordações dele mas muito antes delas, há aquilo que lhe deu um estatuto na família partidária a que pertence desde sempre: antiguidade, fidelidade, talento político, intuição alerta, coragem, desassombro. Nunca se comoveu com a esquerda e que me lembre nunca namorou com ela e ainda menos lhe cedeu. Cada coisa no seu sítio, Santana esteve sempre no dele. E depois há o resto, também estamos lembrados, precipitações, emoções, humores em alta, humores em baixa, efervescências.

Seja como for, a sua entrada em cena irá proporcionar um debate político interessante com Rui Rio — com um pouco de sorte, talvez substancial. Nada têm a ver um com o outro — o que ajuda ao confronto — nem ideologicamente, nem intelectualmente, nem humanamente. Será revelador ver que PSD sairá da contenda caso o partido ainda seja capaz de “sair” para algum lado. Sem se deixar arrumar numa arrecadação da memória ou anular aos poucos. Trabalhos de Hércules. Para ficar por aqui, porque depois falta saber se o país está interessado em olhar outra vez para o PSD, liderado por um destes dois senhores.

4. Última hora: não, Puigdemont não declarou a independência mas não baixou a guarda. Foi mais hábil que isso: “suspendeu” o processo, o que não pressupõe uma marcha atrás. Falou em “diálogo”, o que não envolve um compromisso. E citou ajudas internacionais e mencionou mediadores, a que chamou “todos”, o que fez dele um moderado. Ou seja, o chefe do governo catalão entreabriu abriu uma porta que porém nada do que disse permite abrir de vez.

Intervalo.