No Domingo passado o Conselho da União Europeia (UE) acordou os termos da saída do Reino Unido (RU). Foi um momento de esperança para o projecto europeu? Não, é um momento de receio pelas consequências que terá para o futuro da UE27.

Em todo o processo do Brexit há dois aspectos que se destacaram ao longo das negociações, e que se continuam a destacar: a divisão interna do Reino Unido e a atitude punitiva da UE27.

O Reino Unido está dividido desde o referendo (já o estava antes, mas ficámos com a certeza após o referendo) a todos os níveis e em todos os sectores da sociedade.

A análise simplista que coloca os “bons”, jovens, globalizados e civilizados que votaram “remain” em Londres, na Escócia ou na Irlanda do Norte, contra os “maus”, velhos, nacionalistas e bárbaros que votaram “leave” no resto do país, não tem qualquer adesão à realidade.

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Essa análise simplista assenta na falsa ideia de que os que querem o Reino Unido fechado ao exterior, e à imigração, votaram “leave”, e os que o querem cosmopolita votaram “remain”.

Falsa porque o Reino Unido sempre foi uma nação aberta ao exterior, e mais do que a generalidade dos países europeus. Mas falsa também porque existiram muitos jovens, licenciados e a trabalhar na “city” de Londres que votaram pela saída.

E a razão pode ser encontrada em outra análise simplista que a UE27 se recusa a aceitar: votaram pela saída aqueles que não querem ser governados por uma burocracia centralista sem qualquer legitimidade democrática.

Mas mais importante do que tudo, os britânicos exprimiram-se democraticamente, e isso vale mais do que qualquer análise simplista.

O segundo aspecto pode ser comprovado pelo facto de a UE27 não ter percebido o alerta que representa a saída do Reino Unido, e por isso ter cometido quatro erros principais:

  1. Ignorou as propostas do Sr. Cameron no sentido de alterar a posição do Reino Unido dentro da UE, adoptando uma postura contrária à vontade legítima de um dos seus estados membros que, não por acaso, é a democracia descentralizada mais antiga e mais consolidada, e onde o primado da lei, a separação de poderes e a existência de contrapoderes, e o respeito pelas liberdades de iniciativa, de expressão, de imprensa ou de associação estão há mais tempo enraizados.
  2. Mais grave, optou inicialmente por ignorar o resultado do referendo, e os seus responsáveis acreditaram que a decisão iria ser alterada e que o RU nunca iria sair. A UE27 seguiu a infeliz postura de ignorar a vontade das populações, que tinha sido já adoptada perante os vários referendos cujo resultado não agradou, como os que chumbaram a proposta de constituição europeia, ou pela tentativa de impedir a realização de outros referendos (como em Itália ou na Grécia).
  3. Invocou razões burocráticas na definição das “guidelines” de negociação para recusar desde o início negociar um acordo para o pós-Brexit em simultâneo com o acordo de saída, prolongando a incerteza e aumentando os custos para famílias e empresas.
  4. Ao longo de todo o período negocial, a UE27 encarou, e continua a encarar, a participação dos países no projecto europeu como sendo numa prisão do qual não há liberdade para se sair. Nesse sentido, a UE27 dificultou ao máximo as negociações ao apresentar, um ano após o Reino Unido ter invocado a artigo 50º, uma má proposta onde misturou o acordo de saída com questões nacionalistas na Irlanda ou em Espanha, a que foi na semana passada acrescentado o nacionalismo francês nas pescas.

O acordo de Domingo é um mau acordo para todos. Para o Reino Unido é humilhante, pelo que dificilmente será aprovado. Mas mesmo que seja aprovado, é mau para a UE27 porque demonstra que tarda em querer perceber porque é que o RU está a sair e o alerta que está a dar sobre a fragilidade do projecto europeu.

Director do Gabinete de Estudos do Ministério da Economia
O texto reflecte apenas a opinião do autor