Depois da união da esquerda e da extrema esquerda ter sabotado, em duas comissões de inquérito, o esclarecimento cabal do que se passou no banco público na anterior governação socialista, a terceira comissão de inquérito à Caixa Gera de Depósitos deverá finalmente avançar este mês.

A delicadeza da tarefa é inegável e exige que todos os partidos pugnem pela transparência e pela responsabilização mas também, e isso é fundamental, pelo seu próprio sentido de responsabilidade. O aproveitamento político desta importante comissão de inquérito para atacar pessoas e instituições como fez o Bloco de Esquerda só descredibiliza o papel da Parlamento e não serve os interesses do Estado.

Assacar responsabilidades é crucial, mas deveria ser sobretudo o ponto de partida para a questão mais relevante: qual é o serviço público que deve prestar uma instituição financeira do Estado?

Infelizmente o Governo não demonstra grande preocupação com a Caixa, para além de gerir as consequências de uma recapitalização à grande e à socialista, com custos elevados no longo prazo. Desde logo porque o Estado tem de pagar juros sobre os 2,7 mil milhões de euros que injectou diretamente na CGD. Depois, porque a recapitalização exige uma remuneração do capital muito elevada para não ser considerada pela Comissão Europeia como ajuda de estado, o que quebraria as regras da concorrência.

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No entanto, essa remuneração é, segundo as palavras do Presidente Executivo, extraordinariamente difícil de concretizar e nunca antes existiu. Para isso a CGD tem de cumprir um ambicioso plano de reestruturação com custos em termos de redução dos balcões, incluindo no interior do país, e aumentos significativos de comissões, que penalizam as populações mais fragilizadas ou dependentes.

Por fim, a Caixa tem custos de financiamento elevados que resultam de duas emissões de obrigações subordinadas que foram exigidas pela Comissão Europeia para testar o interesse do mercado com taxas altamente penalizadoras.

Naturalmente que a Caixa tem de ser financeira e economicamente sustentável, mas também precisa de ter uma visão de serviço público, que este Governo aparentemente  ignora. Nesse sentido, preocupa-nos a ausência de qualquer reflexão sobre o objetivo de serviço público no plano de reestruturação negociado com a Comissão Europeia.

Desde já, sabemos bem o que não queremos. No passado, o banco público serviu para financiar projetos de amigos, para lutas de poder dentro de outras instituições e para projetos sem perspetiva de rentabilidade, ou seja, projetos que não faziam sentido do ponto de vista da estratégia comercial da própria Caixa. A auditoria à Caixa demonstra bem o que correu mal: a ausência de mecanismos de controlo do risco, e, mesmo quando os havia, incumprimento das regras na grande maioria dos créditos que geraram mais perdas.

Quanto ao que queremos, no longo prazo a CGD deve desenvolver a sua atividade em dois eixos fundamentais: estabilização do mercado financeiro ao longo do ciclo económico e correção de falhas de mercado.

Em primeiro lugar, pode servir como amortecedor nas crises, mantendo linhas de financiamento abertas a taxas de juro mais próximas da sua taxa de financiamento junto do mercado para empresas e famílias. Numa crise, a retração do setor financeiro tem como consequência ampliar os impactos negativos para as famílias e as empresas. Um banco público pode compensar parcialmente esse efeito. Infelizmente, a função de estabilização foi altamente prejudicada nos últimos anos porque a capacidade de financiamento da CGD foi absorvida por interesses particulares durante o anterior Governo do PS que falharam durante a crise a arrastaram com eles o banco.

Em segundo lugar, a CGD pode suprir necessidades de financiamento que nem sempre são asseguradas pelo mercado, tal como os projetos de risco e retorno elevado, os projetos de aumento de escala das empresas para conseguirem negociar preços e competir melhor nos mercados internacionais ou os projetos inovadores de natureza social que podem atrair menos interesse por parte dos investidores privados.  Esta função poderá exigir um aprofundamento da missão da Caixa Capital. A Caixa pode servir também de co-financiador para fundos e investidores privados que queiram investir em empresas com elevado risco.

Outra falha de mercado é a distribuição geográfica no acesso a serviços financeiros. O banco público deve manter uma presença relevante nas regiões do interior.

Estes dois grandes objetivos de estabilização e correção de falhas de mercado podem servir para tornar a Caixa num instrumento para melhorar a eficiência dos mercados financeiros em Portugal.

Mas há três requisitos essenciais para cumprir estas funções evitando o nepotismo da anterior governação socialista: criar mecanismos de controlo internos para evitar a excessiva toma de risco; reforçar o modelo de governação da Caixa para separar de forma clara as decisões comerciais do acionista e evitar que a CGD sufoque a atividade de financiamento das instituições financeiras privadas.

A administração da Caixa já mostrou no Parlamento como alterou o modelo de governação para limitar a possibilidade de se repetir o sistema tóxico de favores ao Estado e para controlar o risco, o que é positivo. Assegurar o terceiro requisito faz parte de uma estratégia mais alargada de serviço público, que o Governo aparentemente não tem.

Para além do mais é também necessário assegurar que os objetivos são compatíveis com a sustentabilidade económica e financeira da CGD, ponderando sobre a criação de uma margem financeira durante as fases de expansão do ciclo que possa ser usada durante as fases de desaceleração.

O ministro das Finanças quis a toda a força financiar a Caixa para lá do que seria aparentemente necessário, mas disse no Parlamento que não tem interesse no resultado da auditoria que revelou os desmandos da anterior gestão socialista. Isso já é grave, mas é mais grave o seu desinteresse em desenvolver uma missão de serviço público para a CGD no longo prazo. Sem visão não há estratégia, e assim a recapitalização só terá servido para os contribuintes pagarem, e caro, os erros do passado.