A vivência de uma pandemia em pleno século XXI veio levantar múltiplas questões relacionadas com a forma como interagimos em família e em sociedade, com fragilidades de Estados e de economias – e, talvez o mais importante, com a absoluta dependência de um sistema de saúde incondicionalmente disponível e eficaz.

Durante alguns meses focámos toda a nossa atenção num invisível e ameaçador vírus, mas nem com todo o esforço da ciência, da Medicina e da tecnologia, foi possível eliminá-lo. Por fim, voltámos à nossa vida presente, com reforços de medidas de redução do contágio, o indispensável acessório da máscara e do desinfetante. Mas será que voltámos mesmo?

É já claro que o medo do contágio levou a que muitos não procurassem ajuda nos serviços de saúde, com eventuais danos irreversíveis ou até perda de vidas. Este tempo de regresso à realidade deve ser o tempo de retomar a globalidade dos cuidados de saúde. Como médica oncologista, dedicada ao tratamento do cancro da mama, perspetivo o impacto do atraso no diagnóstico de cancro. O investimento em diagnóstico precoce foi fundamental para a melhoria do prognóstico de doentes com cancro da mama, permitindo que perto de 90% estivessem vivas cinco anos após o diagnóstico e, em casos de doença inicial e biologicamente menos agressiva, é expectável que praticamente 100% estejam bem.

O que se irá passar com as mulheres que não tiveram oportunidade de tratamento atempado, pelo atraso no diagnóstico? Certamente seremos deparados com casos mais avançados, eventualmente com necessidade de tratamentos mais agressivos, e receamos pelo efeito negativo na evolução da doença.

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Antes da pandemia Covid-19, a doença oncológica era já uma pandemia, com que lutávamos diariamente. É fundamental não suspender e, até, reforçar esta luta. O apoio e tratamento de doentes oncológicos durante a primeira fase da pandemia, à semelhança de outras áreas, fez com que se reinventasse a forma de fazer Medicina, para garantir que chegasse a todos os doentes com situações inadiáveis. A telemedicina ajudou, mas a necessidade de manter avaliações clínicas e tratamentos oncológicos só é possível pela atividade presencial.

Passada essa fase, embora ainda em “convívio” com o SARS-CoV-2, reforçamos os meios para, com adequadas medidas de segurança, garantir que chegamos a todos os doentes. A agilização dos cuidados de saúde oncológicos é agora ainda mais premente. A organização de uma linha contínua e prioritária que permita um percurso linear desde a fase inicial de recurso aos cuidados de saúde, passando pelo diagnóstico até ao tratamento, é a forma como poderemos recuperar tempo e oferecer a cada doente oncológico o tratamento adequado no menor espaço de tempo possível.

A “simples” suspeita de diagnóstico de cancro é causa de ansiedade e angústia, cada dia que passa aumenta a incerteza e torna a espera mais insuportável… Não é raro que doentes peçam para se iniciar um tratamento de imediato, antes de todos os estudos estarem concluídos e o diagnóstico definitivamente estabelecido. Por outro lado, quando se inicia o tratamento, o doente recupera com frequência o controlo da situação, readquire confiança e tranquilidade.

Falando especificamente da mulher com cancro da mama, as competências para a sua abordagem obrigam a várias capacidades técnicas e humanas, envolvendo o apoio nas diversas vertentes e especificidades de cada mulher, mãe, filha, profissional. Só uma equipa multidisciplinar pode responder a todas estas áreas e a sua organização e o trabalho regular em conjunto são a única forma de garantir que se faz o melhor por cada doente, limitando ao mínimo intervalos de tempo entre exames ou tratamentos, com ágil articulação entre pares.

Na oncologia, como na Medicina em geral, a atividade de diagnosticar e tratar está tão dependente da pessoa que procura o médico, como do médico que a assiste: os dois apoiam-se e entreajudam-se, o que seria de um sem o outro? Neste momento há que reaproximar estes intervenientes: por um lado, promover a procura dos necessários cuidados de saúde e, por outro, garantir que a resposta é célere e eficaz.